Opinião

Em busca do superávit nominal

O Estado de S.Paulo - Editorial
Em suas primeiras declarações, a presidente eleita, Dilma Rousseff, tem mencionado a necessidade de conter o gasto público, de modo a permitir uma redução substancial da taxa básica real de juros, de acordo com um programa de estímulo a investimentos, com maior participação do setor privado. Não foi ainda definido o programa para atingir gradativamente esse resultado, que não é, de modo algum, impossível, desde que exista firme determinação da chefia do governo.

Nos últimos anos, tem cabido à política monetária, executada pelo Banco Central (BC), a responsabilidade de controlar o crédito e a inflação, de acordo com as metas anuais fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), e o único instrumento de que o BC dispõe para isso é o manejo da taxa básica de juros, hoje em 10,75% ao ano. Verifica-se, na realidade, que há um descasamento entre a política monetária e a política fiscal. A contínua expansão de gastos correntes limita drasticamente a capacidade de investimento do governo federal, levando-o a endividar-se no mercado para levar adiante seus projetos ou para proporcionar financiamento de longo prazo a empresas por meio de dotações ao BNDES. Como esses empréstimos são a juros subsidiados, o BC eleva sua taxa básica visando a regular a demanda de crédito.

Em entrevista ao Estado (2/11), o consultor Claudio Frischtak, que coordenou o estudo Financiamento Voluntário de Longo Prazo no Brasil, resumiu a questão com precisão. "É preciso aumentar a poupança do setor público. Hoje, ele "despoupa". Nos próximos dois ou três anos, temos condições de zerar o déficit nominal, de fazer o setor público um poupador líquido. O resultado será uma redução dramática das taxas de juros em termos reais e nominais."

Frischtak não é o primeiro economista a preconizar um déficit nominal zero. O ex-ministro Delfim Netto tem defendido a mesma receita como forma de permitir a diminuição da taxa de juros. O governo não pode cortar tão fundo quanto seria desejável os gastos correntes (pessoal, aposentadorias, custeio da máquina, programas assistenciais), mas pode, sim, conter a sua expansão. Poderia fazer valer o poder de sua base parlamentar para obter a aprovação pelo Congresso de medidas de racionalização ou mesmo contingenciamento de gastos - e não de aumento de impostos. Com isso, iria paulatinamente diminuindo a relação dívida pública bruta/PIB.

Afinal, chegou a hora de as contas públicas serem encaradas com mais realismo. A meta do superávit primário, depois de tantos truques utilizados para cumpri-la, perdeu credibilidade. Como é praxe internacional, o Brasil deve passar a utilizar o conceito nominal, ou seja, receitas menos despesas, inclusive as de juros, para avaliação de suas contas públicas.

O déficit nominal brasileiro não parece elevado (2,36% do PIB nos últimos 12 meses findos em setembro, graças às receitas da cessão onerosa de petróleo pagas pela Petrobrás - um dos subterfúgios que retira credibilidade do superávit primário), mas a carga dos juros pagos é muito pesada (R$ 183,9 bilhões, 5,33% do PIB) no período de 12 meses até setembro. Ora, à medida que for se estabilizando o estoque da dívida e as taxas de juros caírem, as despesas nesse item se tornarão menos salgadas.

Faz todo o sentido, portanto, caminhar para um déficit nominal zero do setor público no espaço de três anos, com um superávit nominal no quarto ano, como defende Frischtak.

Em seu entender, o ideal é que um programa fiscal com esse objetivo seja anunciado ainda no período de transição de governo, isto é, até 1.º de janeiro de 2011. Se isso for feito, "não vamos chegar a uma taxa de poupança asiática, não é esse o nosso contrato social, mas também não podemos ter uma poupança tão reduzida".

Algumas adaptações tributárias seriam necessárias para que os bancos comerciais privados também participem do crédito de longo prazo, em parceria com o BNDES. O déficit nominal zero seria também uma forma de atacar o problema do excesso de recursos externos que buscam o Brasil apenas para lucrar com o diferencial de taxas de juros.

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