Coluna do Rui Grilo

Trabalho, conhecimento e cultura

“A palavra "trabalho" tem sua origem no vocábulo latino "TRIPALIU" - denominação de um instrumento de tortura formado por três (tri) paus  (paliu). Desse modo, originalmente, "trabalhar" significa ser torturado no tripaliu. Quem eram os torturados? Os escravos e os pobres que não podiam pagar os impostos. Assim, quem "trabalhava", naquele tempo, eram as pessoas destituídas de posses.”*

Rui Grilo
Além da idéia acima, o conceito de trabalho também está relacionado ao castigo infringido ao homem por ter desobedecido a Deus, experimentando a fruta do conhecimento do bem e do mal. Enquanto no paraíso tudo lhe era oferecido gratuitamente, agora, para sobreviver teria que trabalhar.

Marx retoma a discussão do tema trabalho, central em sua obra, como um elemento necessário à reflexão e ao conhecimento. É pelo trabalho que o homem cria relações e objetos antes inexistentes, o que o torna semelhante a Deus devido ao seu poder criador. Com a Revolução industrial o operário torna-se mão-de-obra barata, uma ferramenta de produzir; não conhece todo o processo daquilo que ajuda a produzir e contribui para a produção de algo que provavelmente nunca poderá adquirir.

Para a Antropologia, cultura é tudo aquilo que é criado pelo homem. No filme “Uma Odisséia no Espaço” há uma significativa ilustração desse conceito. O macaco, representando o homem primitivo, joga um osso para cima e, ao pegá-lo na trajetória de cair, percebe que tem no osso um instrumento para aumentar a força de seu braço, uma arma para usar contra os inimigos, ou uma alavanca para remover uma pedra. O macaco atribui um novo significado ao osso: arma ou alavanca. Esse conhecimento torna-o mais poderoso na luta contra os seus iguais submetendo-os. O conhecimento se torna um importante elemento de dominação e de escravização do outro.

A atribuição de nomes e de novos significados, a criação de coisas e objetos a partir de matérias primas existentes na natureza, a estruturação da sociedade e de relações de poder e de sociabilidade é cultura.

Os grupos sociais atribuem diferentes significados ao mesmo objeto. Ao ver uma árvore, um capitalista pensa no quanto ela pode render em dinheiro; um artista pode pensar na beleza de suas formas e cores; e um ambientalista pode pensar no quanto ela pode contribuir para a melhoria do clima. Assim constroem diferentes culturas. Mas todos têm uma cultura, pois todos criam cultura ou vivem e sobrevivem num meio cultural em que há regras e valores a obedecer ou a transgredir.

Na cultura antiga, o trabalho era uma questão de classe pois, enquanto aos pobres era destinado o trabalho braçal, ao aristocrata cabia o trabalho intelectual. Marx rompe essa dualidade ao ver no trabalho a superação dos limites humanos, sua forma de sobreviver às forças da natureza e a criação do conhecimento.

Para proteger-se do frio, do sol e do ataque dos insetos e animais, o homem escolhe na natureza quais as matérias primas para confeccionar as roupas e os instrumentos para confeccioná-las: fibras vegetais, peles de animais e produtos minerais. Ao confeccionar suas roupas aperfeiçoa sua forma de maneira a melhor protegê-lo, dando-lhe praticidade e bem estar. Também pensa na beleza, usando desenhos, estampas e cores. Cria-se todo um conhecimento e um planejamento de como produzir mais e melhor através da linha de montagem, da racionalização do trabalho. Com isso, rompe-se de novo a unidade entre quem planeja, quem cria e quem executa.

Cabe a quem planeja e aos donos a melhor remuneração e o lucro; o trabalho mecânico dos outros transforma-os em máquinas para produção. Para sobreviverem, vendem seus corpos para serem transformados em máquinas de produção de outras máquinas ou objetos: carros, geladeiras,... Essa situação, bem ilustrada no filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, dificulta a percepção do todo, pois cada homem faz apenas uma parte do objeto. Como não se percebe como criador, perde a sua divindade pois não se percebe mais como criador. Seu objetivo é apenas conseguir o dinheiro que permita a sua sobrevivência. Como não se percebe mais como criador, aliena-se de si próprio.

Pensando no papel do trabalho como integrador do ser humano, unindo o cérebro e as mãos, educadores como Freinet e Ferrer colocam o trabalho na escola, como um instrumento que permite a construção e a consolidação do conhecimento. A criança que limpa a sua sala sabe o esforço que é gasto para limpá-la, tornando-se mais cuidadosa para mantê-la limpa, valorizando o trabalho do pessoal da limpeza. Também será um adulto que será mais independente, pois terá mais cuidado com a organização e limpeza do seu espaço. Não verá na mulher, apenas a faxineira, lavadeira ou cozinheira.

A luta contra o trabalho infantil não pode perder essa perspectiva do trabalho como uma forma de integrar mãos e cérebro, a alegria de perceber-se como criador e produtor de novas coisas e de cultura.

A luta contra o trabalho infantil tem tudo a ver para impedir que a criança se perceba como escravo, como se estivesse vendendo o seu corpo e tendo como único objetivo o dinheiro para se manter ou manter sua família, impedindo-a do acesso à cultura sistematizada que lhe permita o acesso à profissões mais valorizadas.

Já vimos que o conhecimento traz poder de um sobre o outro. Mas também serve como arma de libertação, motivo pelo qual a educação para todos era um dos objetivos da Revolução Francesa e dos iluministas. O conhecimento era a luz que permitiria acabar com a escravidão. O conhecimento permitiu a criação das máquinas que libertaria o homem do trabalho braçal e de jornadas extenuantes, permitindo-lhe o ócio e tempo para reflexão.

Mas a burguesia, ao dominar a antiga aristocracia, para manter o seu privilégio, reservou para si o acesso à escolas de qualidade e, ao povo o ensino profissionalizante, pois ao operário não cabe o mando. A ele cabe apenas a obediência. Esse tem sido um dos temas das últimas campanhas eleitorais.

Mas não só ao pobre lhe cabe os cargos inferiores. Também a mulher sofre restrições e discriminações como se fosse incompetente para cargos superiores.

A vitória de Dilma representa uma vitória contra essa discriminação.

Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

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