Divagações

O passar do tempo

Sidney Borges
Lembro-me como se fosse hoje, eu calouro da FAU contemplava extasiado uma exposição de trabalhos de professores. Fiquei um longo tempo em frente às pranchas do arquiteto Siegbert Zanettini. Um colega veterano percebeu meu interesse e aproximou-se:

- O que você está achando dessa masturbação formal?

- Estou gostando muito.

- Pois saiba que o Zanettini é um pequeno-burguês que não tem compromisso com a realidade do povo brasileiro e só trabalha para a classe dominante.

Obviamente calei, além de veterano o colega era membro da UEE e fazia parte do círculo íntimo de José Dirceu. Enfim, uma autoridade, sabia diferenciar cada membro da sociedade e seu papel no processo revolucionário que em breve seria instalado no Brasil. Através dele eu soube que a arquitetura que mudaria o panorama estava sendo desenvolvida pelos professores Sérgio Serro e Rodrigo Lefevre, que respeitavam os trabalhadores e incorporavam suas sugestões ao processo construtivo.

Costumo dar atenção ao que me é dito com sinceridade. Assim fui visitar algumas obras dos arquitetos recomendados pelo colega "quase guerrilheiro".

Arquitetura de qualidade, Sérgio e Rodrigo eram talentosos e, de fato, suas obras tinham algo a mais, eram despojadas, brutalistas e poéticas ao mesmo tempo. E com grande rigor formal. Belíssimas.

Quando eu já me preparava para aderir ao brutalismo-científico-revolucionário um detalhe, sempre os detalhes, Deus está nos detalhes, me fez refletir. Ao lado de uma obra com placa de Sérgio Ferro havia outra de Zanettini.

Será que o proprietário pequeno-burguês decadente e o vizinho burguês progressista iriam trocar tiros quando as casas ficassem prontas?

Ou ambos seriam apenas burgueses alienados que tomam Romanée-Conti e fumam "puros" cubanos de 100 dólares a baforada? Nunco soube a resposta.

O tempo passou, o colega "guarda-costas" de Dirceu saiu do país, morou anos em Paris e hoje vive confortavelmente em São Paulo. É empresário e embora continue amigo de Dirceu, não é petista.

O arquiteto Sérgio Ferro é pintor e está radicado na França onde leciona na faculdade de arquitetura de Grenoble. Rodrigo morreu prematuramente em um acidente automobilístico e Zanettini continua projetando obras interessantes e inovadoras e eu admirando seu trabalho.

E a burguesia decadente ficou mais rica do que nunca. Continua financiando jovens arquitetos (tucanos e do PSTU) e passeando em Ferraris e Porsches entre a avenida Paulista e a Faria Lima.

Por falar nisso o ex-ministro José Dirceu trocou de avião, passou a viajar a bordo de um Falcon que o serve com exclusividade, como fazia antes o Citation X. Gente fina é outra coisa. Quanto custa um Falcon? Alguma coisa em torno de 30 milhões de dólares.

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