Conhecendo a "Nossa Terra" - 1


Gente apaixonada por Ubatuba

José Ronaldo Santos
Neste pedaço de chão brasileiro chamado Ubatuba, muitas pessoas queridas já nos deixaram; delas ficaram saudades, exemplos edificantes e até mesmo obras. Algumas não deixaram sequer herdeiros, embora continuem no nosso imaginário. De outras muitas delas o que não falta é uma vasta descendência. No entanto, nada é registrado de tais pessoas. Assim, dentro das minhas limitações, mas querendo, de certa forma, prestar uma sincera homenagem a um grande grupo de gente que viveu ou vive apaixonadamente por este chão, ouso me aventurar como um aprendiz de biógrafo. A primeira dessas pessoas será a dona Silvia Pollaco Patural que, juntamente com o seu esposo Jean-Pierre Patural, em 1954, iniciou um considerável empreendimento no Ubatumirim. A história é longa; a previsão inicial é que seja publicada em seis partes. Desejo uma boa leitura a todos os interessados nesta temática.

Franceses sonhando em terras de Ubatuba – A saga Patural (Parte I)

O tempo passa, as pessoas morrem, as coisas se acabam. Somente as lembranças podem ser eternizadas. Estas ou são tristes ou são alegres, de heroísmos ou covardias, dizem respeito a muita gente ou somente a um pequeno núcleo. A minha função, a partir dos estudos e das conversas, é provocar reflexões, fazer a minha parte no processo civilizatório, fornecer pistas para que outros avancem nas pesquisas para entender melhor a realidade próxima e a humanidade. Assim, cada história, cada causo dos tantos causos que continuo escutando causa inquietação, pede para se espalhar em todas as direções, quer ser conhecido, discutido, criticado, etc. tal como o vento noroeste, tão constante na nossa realidade, a espalhar folhas e levantar poeira em todas as direções.

A partir de agora apresento ao público a história, cujo subtítulo achei por bem ser A saga Patural. Espero não ser cansativo e quero apelar, principalmente àqueles que têm uma pequena noção geográfica do município de Ubatuba, para que imaginem o nosso espaço há mais de cinquenta anos e seus desafios onde “só o de comê tinha em fartura”. O presente trabalho logo completará uma década. Poucas modificações e alguns comentários se fizeram necessários para tornar a leitura mais agradável. Espero que gostem. Sempre aguardo os comentários que possam advir. É um prazer primar pelo diálogo edificante.

Devo admitir que vem de muito tempo a minha curiosidade pela “história do francês que caiu com um avião na serra” contada pelos caiçaras mais velhos. A oportunidade é agora; os meus “minúsculos garranchos” serão socorridos pela memória de uma conversa na casa da dona Silvia, onde, após uma rápida acolhida, me acomodei em torno de uma mesa para ouvir a entrevistada, ou melhor, o depoimento dela, que tratará da aventura fantástica de um jovem casal de franceses. Eles sonharam com uma fazenda exemplar na Sesmaria do Ubatumirim, em 1954, quando nem se sonhava com a abertura de estrada para a porção norte do município de Ubatuba. Para se chegar naquelas distâncias eram duas alternativas: ou se arriscava numa canoa, ou se embrenhava pelos “caminhos de servidão”, subindo morro, andando em praias, atravessando rios, como era coisa comum aos caiçaras daquela época.

Em um primeiro momento expliquei a razão desta entrevista. A aplicabilidade de um projeto muito pessoal que resgata as raízes caiçaras, além das diversas culturas que por aqui aportaram, visa contribuir com muitos aspectos da nossa história, inclusive o da preservação ambiental. Acredito que cada biografia possibilitará encontrar uma harmonia, uma convivência e uma preservação do espaço que só passa a sofrer profundas alterações após o advento do turismo. Então, se queremos apostar num futuro com turismo de qualidade, pois esta é a vocação potencial do município, devemos investir numa educação que permita revisões importantes em nossas condutas, principalmente culturais. E isso nós sabemos que não acontece num estalar de dedos, como se fosse mágica. Esta entrevista já é um dos frutos deste projeto. Atentemos às palavras da dona Sílvia.

“Nós não caímos do céu de repente. A nossa vinda para o Brasil foi bem refletida, mas não deixou de ter uma forte dose de ousadia e coragem.

Meu marido fez, na França, um curso de Agronomia Tropícal. Era uma escola para administradores e funcionários do Estado, com a finalidade de trabalhar na África, na Ásia, enfim, nas áreas que eram colônias francesas. Aconteceu que, com a descolonização, acabou tal finalidade. Porém, ele pretendia investir naquilo que aprendeu. Havia também o risco de ser convocado para a guerra (da Indochina). A solução era procurar outro país, começar outra experiência de vida praticando as habilidades adquiridas em agronomia e zootecnia. Por isso passamos a fazer uma avaliação dos países, de preferência com características tropicais, examinando bem todas as possibilidades. Pensamos no México e em outros, mas o Brasil nos pareceu mais interessante.

Passamos para outra fase, que foi de conhecer melhor o país: ouvimos palestras, assistimos ‘slides’, etc. Só sei que ficamos por dentro das culturas mais favoráveis (banana, café, cacau...) e das reais condições para um empreendimento agrícola no Brasil. Assim, no ano de 1948, embarcamos em Bordeaux e desembarcamos no porto de Santos.

De Santos, uma importante cidade portuária já naquela época, seguimos para a capital paulista. E, modestamente, por eu falar perfeitamente o italiano, pois era italiana de nascimento e, em nossa casa, mesmo estando na França, sempre falávamos a língua italiana, me saía muito melhor que o meu marido que, além do francês, só falava inglês. O italiano é mais compreensível aos brasileiros, não é mesmo?

No início, para nos mantermos, começamos a dar aulas de piano e francês. É preciso lembrar que, naquele tempo, a língua francesa tinha um ‘status’ comparável à língua inglesa nos dias atuais. Logo nos encontramos com um patrício que se sensibilizou com a nossa situação e nos apresentou a possibilidade de irmos para a cidade de Taubaté, pois achava que não era uma boa alternativa continuarmos na cidade grande. Disse-nos ainda que nas proximidades de Taubaté e em outras cidades do Vale do Paraíba havia muitas fazendas, com possibilidades de realizarmos o nosso sonho. Assim deixamos a cidade de São Paulo.

Chegamos esperançosos em Taubaté, mas as condições também não estavam tão favoráveis. Nesse ínterim nasceu Patrícia. Deste tempo é a experiência de arrendamento de um sítio em Redenção da Serra, onde ensaiamos um modelo de produção, sobretudo de batatas. A seguir, conhecemos Ubatuba.

Através de um convite de uma família muito amiga -os Guisard- viemos, em 1953, conhecer Ubatuba. Eles eram os donos do Casarão, onde está atualmente a sede da Fundart. Foi em uma de suas casinhas, localizadas até hoje atrás do Casarão, que nós ficamos hospedados. Meu marido - Jean-Pierre - se entusiasmou pela cidade. É preciso lembrar que ele adorava o mar; era um velejador em nossa terra natal. Ainda temos a foto de seu primeiro veleiro na região do Canal da Mancha, Bretanha, norte da França. Logo se empolgou em investir aqui.

Comentários

Anônimo disse…
Que maravilha,estarei aguardando a continuação.Que bom conhacer um pouco da historia de nossa Ubatuba,e as pessoas que de certa forma contribuiram e contribuem com nosso desenvolvimento.Parabens.

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