Opinião

Entre o erro e a omissão

Editorial do Estadão
A coincidência não poderia ser mais simbólica. Enquanto na vizinhança do Brasil arde a crise deflagrada com o rompimento de relações entre a Venezuela e a Colômbia - depois de o governo de Bogotá denunciar que 1.500 narcoterroristas das Farc vivem no país vizinho sob a proteção de Hugo Chávez -, eis que o chanceler Celso Amorim dá o ar de sua presença em Istambul, participando de uma reunião com os seus colegas da Turquia e do Irã.

A diplomacia brasileira sofreu há pouco um desmoralizante revés na região, ao se associar a um esquema de enriquecimento de urânio iraniano no exterior que corroboraria os alegados fins pacíficos do programa nuclear de Teerã. Concluído durante a visita do presidente Lula ao Irã, o acordo foi apresentado como gesto de boa vontade do país e saudado pelo Itamaraty como evidência de que o contencioso entre o Ocidente e a República Islâmica pode ser resolvido pela negociação, sem ameaças.

Isso justificaria o envolvimento do Brasil no Oriente Médio, contrastando com o silêncio ensurdecedor do governo diante dos problemas bilaterais no seu entorno, como entre Colômbia e Venezuela, ou em relação à sina dos presos políticos em Cuba. Mas a euforia durou pouco. Logo em seguida, com o apoio até da China e a solitária oposição do Brasil e da Turquia, o Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas aprovou nova rodada de sanções contra o Irã.

Em favor do endurecimento, os Estados Unidos invocaram fatos que deixaram o Itamaraty sem respostas convincentes. Em primeiro lugar, os 1.200 quilos de urânio a serem beneficiados no exterior passaram a representar metade dos estoques iranianos, ante os 3/4 que seriam despachados caso Teerã não tivesse renegado o acerto de outubro de 2009 com a AIEA, a agência nuclear da ONU.

Além disso, expondo ao mundo a ingênua sofreguidão brasileira para tomar pelo valor de face a palavra de um governo destituído de credibilidade nessa esfera - tantas as suas tentativas de iludir os inspetores internacionais sobre as suas atividades -, imediatamente após a assinatura da chamada Declaração de Teerã o chefe do programa nuclear iraniano anunciou que o país continuaria a enriquecer urânio à taxa de 20%, cerca de seis vezes mais do que o necessário para um reator destinado à produção de energia elétrica. É mais fácil passar de 20% para os 95% usados numa bomba atômica do que completar a etapa anterior.

Por fim, a Declaração silenciou sobre a origem da crise - a recusa iraniana a abrir as suas instalações e programas à inspeção da AIEA, bem como a permitir entrevistas com os cientistas envolvidos. Consumada a decisão do Conselho de Segurança da ONU, reforçada pelo pacote de punições unilaterais dos Estados Unidos, e às vésperas da aprovação, prevista para ontem, de outra série de medidas, desta vez pela União Europeia, o Irã tornou a fazer o seu número - e o Brasil tornou a entrar no seu jogo.

O fato é que a coleção de sanções impostas a Teerã já começou a fazer efeito. O ponto crítico é o acesso aos derivados de petróleo. Embora detenha a terceira maior reserva mundial do combustível (e a segunda maior de gás), o país importa quase a metade da gasolina que consome. Grandes transportadoras estão pensando duas vezes antes de carregar gasolina para o Irã e as grandes seguradoras hesitam em atender à frota iraniana - praticamente bloqueando a entrada dos seus navios em portos estrangeiros.
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