Bruno/Eliza/Horror/Estupidez

Outra morte anunciada

Luiza Nagib Eluf
É tenebroso, mas precisamos falar do assunto. Apesar de já ter visto e trabalhado muito com crimes bárbaros, tanto em função de minha atuação como Promotora e Procuradora de Justiça, quanto em decorrência da militância em defesa dos direitos da mulher, admito que esse caso do goleiro Bruno contra Eliza, sua ex-namorada, consegue ser pior do que tudo o que já vi. Supera seus antecessores em crueldade, vilania e hediondez. O Delegado mineiro Edson Moreira, que está apurando os fatos, ouvido em entrevista coletiva por todo o Brasil, também demonstrou estar aturdido com tamanha monstruosidade. Por mais que possamos ter consciência das possibilidades de violência de que é capaz o ser humano, os algozes de Eliza surpreendem pelos extremos de violência e pela desnecessidade de impor à vítima tanto sofrimento.

Resumindo brevemente o ocorrido, as investigações apontam que o ex-jogador de futebol, possivelmente, armou uma emboscada para sua ex-namorada. Simulou estar disposto a reconhecer o filho de quatro meses e fez promessas de pagar pensão alimentícia. Dessa forma, atraiu a moça para o Rio Janeiro, onde ela foi sequestrada por seus comparsas e levada para um sítio na região de Belo Horizonte. Durante a viagem, a vítima, de 24 anos, foi agredida a coronhadas, mesmo estando com o filhinho de quatro meses no colo. Havia sangue no carro, que se confirmou ser dela. Ao chegar ao sítio, Eliza foi brutalizada, torturada e morta. Segundo informações da Polícia, quando ela pediu para parar de apanhar, ouviu como resposta: “você não vai mais apanhar, vai morrer”. Eliza foi estrangulada e seu corpo ocultado. Testemunhas informaram que o cadáver foi esquartejado, descarnado e jogado para cães da raça rotwailler, que o devoraram. Provavelmente por isso, está sendo difícil para a Polícia de Minas Gerais encontrar os restos mortais da moça. No entanto, mesmo se o corpo não for localizado, os responsáveis poderão ser condenados com base na comprovação indireta da materialidade do delito, pois nossa lei penal, nossa jurisprudência e nossa Justiça evoluíram o suficiente para não deixar impunes assassinos desse calibre.

O bebê escapou da barbárie, segundo consta, por decisão de última hora, um lampejo piedoso. A criança de colo, órfã, foi seqüestrada e escondida em uma favela. Denúncia anônima possibilitou seu posterior resgate. Testemunhas presenciais dos fatos afirmaram que Bruno assistiu ao processo de tortura e estrangulamento de Eliza.

Pouco tempo antes de ser morta, a própria vítima filmou um depoimento em frente à Delegacia de Defesa da Mulher, dizendo que havia prestado queixa e que, se algo de ruim lhe acontecesse, o autor seria o goleiro Bruno. Será que não havia meios de impedir a tragédia exaustivamente anunciada?

Há pouco tempo, a advogada Mércia foi assassinada em São Paulo. Seu corpo, descartado em uma represa, somente foi encontrado após buscas efetuadas pela própria família da moça. O principal suspeito é seu ex-namorado, Mizael. Por sua vez, uma cabeleireira em Belo Horizonte foi oito vezes à Delegacia de Polícia pedir ajuda porque estava sendo ameaçada de morte pelo ex-marido, inconformado com o fim da relação. Embora o juizado de violência doméstica tenha determinado o afastamento do agressor e a proibição de que ele se aproximasse da vítima, nenhum policial foi destacado para garantir a aplicação da medida protetiva. Assim, o sujeito entrou no local de trabalho da ex-mulher e, sem nenhuma dificuldade, desferiu vários tiros contra ela, matando-a na hora. Esse assassinato também foi filmado por câmeras que a própria vítima havia instalado para comprovar sua vulnerabilidade. É incrível que esse crime tampouco tenha sido evitado.

A sucessão de casos é assustadora. Não se pode assistir passivamente ao massacre de mulheres, como se reagir estivesse fora de nosso alcance. Cabe à Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres sair à frente com novas propostas de controle da violência de gênero. A Lei Maria da Penha é muito boa, mas não tem surtido o efeito esperado por inoperância do Estado. Nenhuma mulher pode ser tratada como coisa ou como lixo. Quando uma vítima vai à Delegacia prestar queixa de agressões e ameaças de morte, é preciso levá-la a sério e tomar as providências que nossas leis determinam. Mesmo que posteriormente o casal venha a reatar, como já aconteceu em certos casos, a Polícia e a Justiça têm o dever de agir cautelarmente, pois a experiência mostra ser impossível prever, com exatidão, o que um homem possessivo, irado e machista é capaz de fazer.

Luiza Nagib Eluf é Procuradora de Justiça do Ministério Público de SPaulo. Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania. É autora de vários livros, dentre os quais “A paixão no banco dos réus” e “Matar ou morrer – o caso Euclides da Cunha”.

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