Ramalhete de "causos"

Lembranças do Mané Hilário

José Ronaldo dos Santos
Conforme o tema do texto anterior (A ilha de Joatão), achei por bem dar aos leitores mais alguma coisa do levante da Ilha Anchieta. Aproveito deste momento para homenagear um antigo caiçara –o nosso Manoel Hilário Filho. No próximo dia 1º de dezembro ele completará 102 anos. É uma de nossas memórias vivas; mora na rua Amaral Viana; bem no centro. O que transcrevo a seguir é parte de uma entrevista realizada há quase 10 anos. Eis o que ele falou sobre o levante de 1952:

“Ah, rapaz! O susto que nós levemo e a carreira que nós levemo! Nós tava trabalhando numa casa lá no Perequê-açu. Tava em cima da casa botando telha, quando a dona Suzana, esposa do Zé Dito da Pensão Imperial, chegou chamando o marido: ‘Ai, vamos embora! Vamos embora, gente, por favor, pelo amor de Deus. Os presos da ilha mataram uma trancada de gente na ilha e vem uma escorta de preso tudo armado aí, dando tiro, morrendo gente por todo lado’. Escorreguemos pela escada abaixo, e, olha [fazendo zip com as mãos] nós tudo! E quando chegou naquele morrinho da descida do morro da Prainha, no caminho do Perequê-açu pra cá, encontremo um sordado...poliça. Mas tava que não se aguentava mais. Se nós não faz bonito, nós ia...era morto na mão dele. ‘Nós viemo do Perequê-açu’. ‘Vocês não são preso?’. ‘Não. Que preso?!? Já viu preso trabalhar?’. ‘Não. Fala direito aqui pra nós’. Nessa hora chegou o poliça –outro poliça. Prendeu esse. Foi embora pra cadeia –preso; no outro dia tocaro ele embora pra São Paulo. Se não é o homem, é capaz de ser fuzilado lá, de ele matar nós. Porque nós não podia fazê força porque ele tava armado, né? E queria, tentando, encostando o fuzil em nós. E queria saber. Nós falava pra ele e contava: ‘Nós não tamo sabendo de nada. Nós vem embora porque precisamos ir embora; já cabemo o serviço”. (...) “Aqui não aconteceu nada com ninguém. Só aconteceu lá na ilha, lá. Lá na ilha os poliça mataram um bocado deles lá. Eles mataram poliça. Pintaram o caneco lá, mas pra cá não deu nada não”.

É isso, pessoal! A cidade ainda tem muitas pessoas que podem contar as suas experiências e recontar outras tantas que os mais antigos viveram. Meus agradecimentos aos familiares do Mané Hilário, pois dão um ótimo exemplo de amor àquele que faz parte do alicerce da cultura caiçara.

Para terminar, recomendo como leitura o volume 4 da Enciclopédia Caiçara, produzido pela Nupaub (USP).

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