Opinião

Franqueza durou um dia

Editorial do Estadão
Conversa franca e autocrítica não são para o governo Lula. O primeiro e único balanço honesto oferecido ao público num site oficial saiu rapidamente do ar. Segundo o balanço, a educação continua tão ruim quanto em 2003, a reforma agrária não funcionou, falta coordenação aos programas de infraestrutura e a política industrial só tem beneficiado alguns setores, em vez de favorecer o aumento geral da competitividade. Todos esses problemas são bem conhecidos e todo dia são citados na imprensa. Mas nunca haviam sido reconhecidos com tanta sinceridade por qualquer órgão do Executivo, até ser lançado o novo Portal do Planejamento. O portal foi apresentado pelo ministro Paulo Bernardo, na quarta-feira, como contribuição às políticas do governo e uma forma de difundir o conhecimento de seus programas. Ficou no ar até quinta-feira e na sexta de manhã já se havia tornado inacessível. Até cerca de meio-dia, quem tentava o acesso encontrava um aviso: "Em manutenção." Depois, nem isso.

Técnicos do Ministério do Planejamento levaram um ano e meio para montar o portal, com 53 temas apresentados e discutidos em cerca de 3 mil páginas. A cerimônia de lançamento foi gravada e difundida pelo YouTube e a novidade foi alardeada por vários canais do governo.

Segundo o ministro do Planejamento, vários de seus colegas telefonaram para reclamar, dizendo não terem sido procurados para discutir as informações. O ministro da Educação, Fernando Haddad, alegou haver dados incorretos no material divulgado. Segundo Paulo Bernardo, não teria sentido ele ficar numa posição de quem tenta detonar o trabalho do governo. Diante das críticas e reclamações, ele achou melhor, segundo contou numa entrevista à Rádio CBN, suspender o funcionamento do portal para uma revisão. Uma reunião, acrescentou, foi marcada para segunda-feira com o pessoal de seu Ministério para discussão do assunto.

Na mesma entrevista, comentou a reportagem publicada na sexta-feira no jornal Valor e reclamou do destaque atribuído às análises críticas, quando havia um material muito mais amplo, de 3 mil páginas. Mas a reportagem menciona também as avaliações positivas e as sugestões para aperfeiçoamento de programas como o Bolsa-Família e o de valorização do salário mínimo.

A parte crítica é obviamente a mais interessante, porque indica a existência, na administração federal, de técnicos capazes de avaliar com independência e objetividade a formulação e a execução de planos e programas. Além do mais, as críticas mais importantes não chegam a ser novas. O ministro da Educação talvez possa reclamar de um ou outro detalhe, mas não pode negar, por exemplo, a existência de um enorme número de analfabetos funcionais, cerca de um quinto da população com idade igual ou superior a 15 anos, nem a baixa qualidade do ensino fundamental. Também não é novidade a avaliação crítica dos planos de produção de biodiesel, apontada como economicamente inviável. As tentativas conhecidas no Brasil têm confirmado essa conclusão. Da mesma forma, qualquer pessoa informada é capaz de apontar o fracasso da chamada política agrária, marcada por muito barulho e violação de direitos e quase nenhum resultado positivo em termos de produção e produtividade dos assentados.

As avaliações da política industrial, dos programas de infraestrutura, da burocracia e da persistência de um sistema tributário de baixa qualidade apenas confirmam as análises de especialistas da academia, do setor privado e até de algumas áreas oficiais.
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