Opinião

A demissão, finalmente

Editorial do Estadão
O governo deu ao ainda secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, tempo mais do que suficiente para ele preservar um resto de dignidade, tomando a iniciativa de se demitir do cargo depois que o Estado revelou no começo de maio as suas ligações com um dos chefes da máfia chinesa de São Paulo, Li Kwok Kwen. Paulo Li, como é conhecido, está preso desde setembro passado por contrabando de telefones celulares. Gravações e e-mails interceptados pela Polícia Federal na Operação Wei Jin (mercadoria proibida) deixaram patente que as relações entre eles estavam encharcadas de ilícitos.

O ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, decerto com a anuência do presidente Lula, permitiu que Romeu Tuma Júnior aparentasse tirar 30 dias de férias para rebater as acusações - quando, na verdade, tinha sido afastado.

Os seus superiores esperavam que, ao cabo desse período, se não antes, o filho do senador Romeu Tuma (PTB-SP), que devia o emprego a um acordo para que o pai aderisse à base governista na Casa, deixasse por conta própria o posto. Ele poderia alegar, como é de praxe nessas circunstâncias, que assim procedia para não obstruir as investigações a seu respeito, as quais, naturalmente, comprovariam de forma cabal a sua inocência.

Qual o quê. Diante da teimosia do acusado em se afivelar a uma cadeira na qual já não tinha a menor condição de permanecer - a Secretaria Nacional de Justiça, entre outras atividades, rastreia remessas ilegais de dinheiro para o exterior e fiscaliza o status legal de estrangeiros no País -, o ministro Luiz Paulo Barreto finalmente o exonerou na segunda-feira.

Mesmo assim o tratou com deferência, ao alegar, em nota, que assim Tuma "poderá melhor promover sua defesa". Ele responde a três inquéritos (na Comissão de Ética do Palácio do Planalto, no Ministério da Justiça e na Polícia Federal). A Polícia Federal o considera suspeito de corrupção passiva, advocacia administrativa e formação de quadrilha.

Em troca da gentileza que lhe dispensaram, o ex-secretário soltou, como se diz, os cachorros. Contrastando com a sua reticência em falar a este jornal sobre os fatos apurados na investigação a que tinha tido acesso, Tuma dessa vez não economizou palavras - muito menos as mediu - para se declarar vítima de uma "monstruosa injustiça". Investiu contra o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, que teria tramado a sua queda porque estava "incomodando muita gente", e o ministro Barreto, a quem acusou de "covardia política". Depois, tentou se retratar, dizendo que covarde tinha sido a demissão, não Barreto, que estaria "tão amargurado como eu". Se está, deve disfarçar bem.

Tuma não foi a primeira autoridade, nem tampouco será a última, a responsabilizar por sua derrocada interesses contrariados com o que seria o rigor de sua conduta em defesa do patrimônio público. Na sua versão, foi abatido pela "verdadeira máfia". Já não bastasse, porém, o cinismo de ficar onde ninguém mais no governo queria vê-lo, ele apelou para a ameaça de retaliações - uma técnica velha como a delinquência. "A verdade virá à tona", exclamou. "Vão surgir fatos que (sic) vocês vão se arrepiar." E, como quem põe a mão no coldre, disse que "políticos também" estão entre os envolvidos na presumível conspiração para defenestrá-lo. Por fim, trovejou: "Vocês verão coisas cabeludas!"
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