Opinião

Israel e sua torre de erros

Editorial do Estadão
O falecido chanceler israelense Abba Eban costumava dizer nos anos 1970 que "os árabes não perdem oportunidade de perder oportunidade". Ele ironizava a recusa dos palestinos a aceitar a existência de Israel (o que viriam a fazer em 1993) e chegar a um acordo com o Estado judeu em condições que, no entender do diplomata, seriam incomparavelmente melhores para eles do que as do confronto. Hoje se vê que, por motivos insondáveis para a racionalidade política e a própria defesa eficaz do seu interesse nacional, Israel tomou dos palestinos o papel de perdedor contumaz de oportunidades.

Qualquer que pudesse ser a ameaça representada pelo Mavi Marmara, a nau capitânia de bandeira turca da flotilha organizada para desafiar o bloqueio de Gaza - e ainda que incluísse um grupo de extremistas entre os seus mais de 500 passageiros -, a eliminação à queima-roupa de 9 ativistas turcos pelos comandos recebidos a bastonadas a bordo foi uma agressão autoinfligida. Ou, nas palavras do primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, um "erro histórico". Perplexa, a Turquia se pergunta como pode Israel afrontar o seu único aliado no mundo muçulmano, com o qual mantinha relações econômicas e militares estreitas, mesmo no atual governo de inclinação islâmica.

Além disso, a Turquia, secular, membro da OTAN, candidata à União Europeia e potência regional, dera a Israel a oportunidade de se aproximar por seu intermédio da Síria, com a qual está tecnicamente em guerra desde 1967. Com a brutal invasão da Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, e agora, com o ataque ao Marmara, Jerusalém promoveu Ancara a porta-bandeira da causa palestina. Mas o rompimento da melhor aliança a que Israel poderia aspirar na área parece pouco. Como se a uma oportunidade perdida se devesse seguir a perda da oportunidade de reparar a anterior, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu indicou que rejeitará uma investigação internacional sobre a tragédia da semana passada.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, propôs a Israel que integrasse, com os Estados Unidos e a Turquia, uma comissão de inquérito a ser presidida pelo ex-primeiro-ministro da Nova Zelândia sir Geoffrey Palmer. De bate-pronto, o embaixador israelense em Washington, Michael Oren, descartou a oferta. É "admissão de culpa", acusou a Turquia. Em Jerusalém, Netanyahu falou em "considerar o assunto cuidadosamente e de cabeça fria". Se o fizer, verá que esse é o menor dos males. O que Israel quer - e exibe como uma concessão - é uma apuração interna com a participação de convidados estrangeiros, do tipo do painel criado pela Coreia do Sul para esclarecer o afundamento de uma corveta por um torpedo norte-coreano.

A analogia é tão absurda como Israel acusar de entrada ilegal em seu território os passageiros dos navios da Frota da Liberdade rebocados para o país. A Coreia do Sul investigava a do Norte - não a si mesma. O pior é o precedente que expõe a política de avestruz dos israelenses. Em 2009, a Comissão de Direitos Humanos da ONU decidiu investigar a invasão de Gaza. Israel se recusou a cooperar. O inquérito, presidido pelo juiz sul-africano de origem judaica, Richard Goldstone, concluiu que tanto os invasores como o Hamas cometeram crimes de guerra. (Há pouco, um jornal israelense teve a torpeza de lembrar que, no tempo do apartheid, Goldstone condenou à forca 28 militantes negros.)
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