Opinião

O contencioso Brasil-EUA

Editorial do Estadão
Há mais de um modo de ver, naturalmente, o contencioso entre os Estados Unidos e o Brasil sobre o programa nuclear do Irã e as iniciativas do presidente Lula diante da crise dele decorrente. Mas um fato é absolutamente inequívoco: pela primeira vez em 35 anos, os dois países estão em aberto confronto político em razão de um problema internacional - e estratégico - de envergadura.

Em 1975, Brasília e Washington entraram em choque por causa da decisão do governo do general Ernesto Geisel de fechar com a Alemanha um acordo do qual esperava que desse ao País o domínio do chamado ciclo do combustível nuclear - do enriquecimento de urânio ao reprocessamento do material resultante de seu uso em reatores civis.

O acordo fracassou, mas as pressões americanas ? incluindo a denúncia das violações de direitos humanos sob a ditadura militar - derrubaram as relações bilaterais a um nível sem precedentes de animosidade. Brasília rompeu o acordo militar que mantinha com os Estados Unidos e tempos depois votou na ONU a favor de uma resolução que considerava o sionismo uma forma de racismo.

A redemocratização do País reaproximou os aliados de outrora, não obstante as sucessivas e em geral irresolvidas divergências no campo das regras do intercâmbio econômico (patentes, protecionismo, liberalização comercial, por exemplo). Nada disso, porém, se compara em gravidade à crispação atual entre os governos Lula e Barack Obama.

De certo modo, é pior do que em 1975. Em ambos os casos, na raiz do estranhamento estão as aspirações brasileiras à projeção no mundo e a política de poder dos Estados Unidos. A diferença é que, então, a ambição à potência passava pela capacitação nuclear do País emergente ? para usar um termo que ainda não estava em voga.

Agora, o Brasil escolheu disputar influência com os EUA em torno do que, para Washington, é uma questão estratégica real e presente ? as ações do Irã rumo ao limiar da produção da bomba. Diante disso, Obama enfrenta um dilema sem solução à vista. A julgar pelo retrospecto, é duvidoso que as sanções que ele quer ver aprovadas no Conselho de Segurança detenham Teerã. E a alternativa militar é improvável: o Irã não é o Iraque.

Mas, ainda por cima neste ano eleitoral, Obama precisa mostrar firmeza perante a oposição republicana, estreitamente alinhada com o lobby israelense. E isso inclui reagir à repercussão internacional do êxito diplomático do Brasil e da Turquia, ao levarem o Irã a aceitar um acordo sobre enriquecimento de urânio no exterior, praticamente idêntico ao que lhe fora oferecido pelo Ocidente e a AIEA, a agência nuclear da ONU, e afinal rejeitado pelo Irã.

Não é de surpreender, portanto, a dura declaração da secretária de Estado Hillary Clinton de que o seu país tem "uma divergência muito séria" com o Brasil e que a preferência brasileira por negociações, no lugar do apoio a uma nova rodada de sanções anti-iranianas, "deixa o mundo mais perigoso".

Na momentosa carta que enviou a Lula em abril - publicada ontem na Folha de S.Paulo -, Obama deixa claras as complexidades de lidar com um adversário obstinado como o Irã. Considera um acordo como o que seria selado em Teerã "uma oportunidade clara e tangível de começar a construir confiança mútua". Adiante, porém, questiona "a disposição do Irã para um diálogo de boa-fé com o Brasil". E informa que "continuaremos a levar adiante nossa busca por sanções, dentro do cronograma que delineei".

Para o governo brasileiro, esse trecho da carta põe por terra a versão de que os EUA só tomaram de vez o caminho das sanções porque, mal secaram as assinaturas na Declaração de Teerã, o chefe do programa nuclear iraniano avisou que o país continuará a enriquecer urânio a 20%.
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