Opinião

Afastamento tardio

Editorial do Estadão
O fato de o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, ter decidido afastar, por 30 dias, o delegado Romeu Tuma Júnior do comando da Secretaria Nacional de Justiça confirma que o governo só enfrenta o incômodo de cobrar obediência à lei e lisura ética de seus aliados políticos se a tanto for pressionado pela imprensa independente. Foi em 5 de maio que este jornal mostrou em reportagem as estreitas ligações do delegado Tuma Júnior com Li Kwok Kwen, também conhecido por Paulo Li, considerado um dos chefes da máfia chinesa especializada em contrabando no Brasil.

Matérias que se seguiram, baseadas em gravações judicialmente autorizadas da Polícia Federal (PF), davam conta de envolvimentos do secretário nacional de Justiça com tráfico de influência para a legalização de estrangeiros em situação irregular, liberação de dólares de origem ilegal apreendidos, tentativa de interferência em favor de candidato em concurso público, "central de favores" montada em seu gabinete para a solução de problemas de amigos, familiares, aliados e até de escritórios de advocacia com interesses no Ministério da Justiça - tudo isso a poucos metros de onde despacha o ministro da Justiça.

É, de fato, estranho que o governo não tenha afastado o delegado Tuma Júnior de suas importantes funções há muito tempo, tendo em vista o curso das investigações da Polícia Federal. Em setembro do ano passado, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, aconselhou o delegado Romeu Tuma Júnior a prestar depoimento à Polícia Federal sobre suas ligações com Paulo Li e com episódios envolvendo seu nome nas gravações obtidas pela PF - depoimento esse que o delegado prestou. Apesar desses veementes indícios, Romeu Tuma Júnior não só continuou secretário nacional de Justiça, como foi nomeado - pasmem os leitores! - presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria.

Além de o presidente do órgão nacional de combate à pirataria ser amigo íntimo - a ponto de convidá-lo a ficar no mesmo quarto de hotel, numa viagem ao interior - do cidadão apontado como chefe da operação de contrabando de telefones celulares falsificados provenientes da China, estão sob sua responsabilidade, como secretário nacional de Justiça, o Departamento de Recuperação de Ativos, cuja função é recuperar valores enviados ilegalmente para fora do País, e o Departamento de Estrangeiros, que dá cumprimento à legislação concernente à imigração. Pois foi nessas áreas que ocorreram os ilícitos investigados pela Polícia Federal.

Em nota oficial, a Polícia Federal relaciona as investigações para apurar aqueles ilícitos e destaca: "A análise do conjunto de indícios existentes contra o secretário nacional de Justiça nas investigações foi concluída pela Corregedoria Regional da Polícia Federal em São Paulo em fevereiro de 2010, com parecer favorável à instauração de inquérito policial." Quer dizer, pelo menos há cerca de três meses o governo federal tinha conhecimento de que Tuma, um alto funcionário, ocupando cargo de confiança, estava envolvido em graves irregularidades - o que tornava um imperativo ético o seu afastamento do cargo. Mas o ministro da Justiça nada fez e o presidente da República não lhe cobrou as providências saneadoras cabíveis.

E, assim, um assunto de altíssimo interesse público, por dizer respeito ao comprometimento da própria função do Estado de fazer cumprir as leis e preservar a ordem pública, foi abafado, em parte pela omissão das autoridades, em parte porque as investigações transcorriam em segredo de Justiça.
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