Opinião

Anistia e acesso à verdade

Editorial do Estadão
O noticiário sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter inalterada a Lei da Anistia destacou que os 7 ministros contrários à revisão pleiteada pela Ordem dos Advogados do Brasil para permitir a abertura de processos contra acusados de torturar presos políticos durante a ditadura militar invocaram, todos, a dimensão política do ato de 1979. A anistia, apontaram eles com razão, resultou de um pacto entre o governo e as oposições, no Congresso e na sociedade, pela pacificação do País, inaugurando o processo de transição que desembocaria, 5 anos depois, no restabelecimento da democracia sem novos ciclos de violência.

De fato, embora não fosse propriamente essa a prioridade da grande maioria dos grupos e organizações, entre os quais a Ordem dos Advogados do Brasil, que se articularam para criar o Movimento pela Anistia, na passagem do governo do general Ernesto Geisel para o de João Figueiredo ? mas libertar os encarcerados do regime e promover o retorno dos exilados ?, as forças oposicionistas que negociavam com os militares aceitaram que, para se consumar, o perdão "amplo, geral e irrestrito" fossem incluídos na anistia os "crimes conexos" ? codinome para os abusos de toda ordem, inclusive a tortura.

E assim se deu. "A lei nasceu de um acordo de quem tinha legitimidade para celebrar esse pacto", avaliou o ministro Cezar Peluso, no seu primeiro julgamento como presidente do Supremo Tribunal Federal. Mesmo Ricardo Lewandowski, um dos dois juízes que se pronunciaram pela revisão da lei (o outro foi Ayres Britto), guardou-se de defender a quebra automática da anistia para todos os apontados como torturadores. Ele sustentou que a Justiça deveria decidir "caso a caso" para determinar se os crimes alegadamente cometidos foram políticos ou comuns.

No entanto, a sucessão de manifestações no Supremo Tribunal Federal em favor da incolumidade da Lei da Anistia, por ter sido a reconciliação política o seu objetivo essencial - "a anistia foi aprovada para esquecer o passado e viver o presente com vistas ao futuro", sintetizou o ministro Gilmar Mendes -, acabou deixando em segundo plano um argumento decerto ainda mais poderoso. Está contido no parecer do relator da ação, Eros Grau, ele próprio vítima do arbítrio nos anos 1970. "Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal está autorizado a reescrever leis de anistia", apontou, depois de rever os casos anteriores do gênero no Brasil e em países vizinhos. "Só o Congresso Nacional (que aprovou a de 1979) poderia fazer isso."

O raciocínio se casa com princípios de direito que também desautorizam a revisão judicial da medida tomada há 30 anos. Os partidários do julgamento dos torturadores afirmam que a legislação penal brasileira considera a tortura crime e que o Brasil é signatário de convenções internacionais que tornam o crime imprescritível. É fato. Mas quando a anistia foi promulgada, nem uma coisa nem outra havia acontecido. Ambas datam de muito mais tarde. "A legislação não pode retroagir para punir quem quer que seja", observa o jurista Ives Gandra Martins. Leis só retroagem para beneficiar.
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