Opinião

A herança da crise
Editorial do Estadão
Vem aí a segunda parte da maior crise financeira e econômica das últimas décadas. Chegou a hora de cuidar dos estragos causados pela Grande Recessão - este é o nome usado nos documentos do Fundo Monetário Internacional (FMI) para designar a retração iniciada em 2008. As perdas fiscais ocorreram principalmente nas economias mais avançadas, mas o custo do conserto provavelmente vai ser dividido com os demais países. Os efeitos mais dolorosos ficaram para as economias pobres e em desenvolvimento. Cerca de 53 milhões de pessoas - 20 milhões só na África - perderão a chance de escapar da pobreza até 2015, segundo estimativas do Banco Mundial. Sem a crise, poderiam juntar-se a muitos outros milhões beneficiados pelas políticas de crescimento econômico e desenvolvimento social.

A recuperação ainda é lenta no mundo rico e a arrumação fiscal provavelmente começará, para valer, em 2011, quando a atividade estiver mais firme. A consolidação das contas públicas das economias mais avançadas será um dos principais desafios políticos dos próximos anos e os governos terão de enfrentá-lo o mais cedo possível. Esta foi uma das principais mensagens dos economistas e dirigentes do Fundo na reunião de primavera realizada na semana passada em Washington.

As perdas fiscais foram causadas quase totalmente pela recessão. Os pacotes de ajuda aos bancos e de estímulo ao consumo envolveram centenas de bilhões de dólares, mas contribuíram muito menos para a deterioração das finanças governamentais. Em 2014, a dívida pública dos países mais desenvolvidos, basicamente os membros do G-7, corresponderá a 115%, em média, do PIB dessas economias. Desde antes da crise houve um aumento equivalente a 35 pontos porcentuais nessa relação.

Só um décimo desse aumento foi causado pelos estímulos, segundo o FMI, mas, sem eles, argumentou o seu diretor-gerente, Dominique Strauss-Kahn, a recessão teria sido mais profunda; a receita de impostos, menor; e os danos fiscais, mais graves.

A recessão reduziu a receita de impostos e tornou necessário grande volume de gastos adicionais. Mas o orçamento de alguns países já estava em mau estado em 2007, antes da crise.

O presidente George W. Bush, que encontrou as contas públicas em situação bastante razoável ao iniciar seu primeiro mandato, passou oito anos devastando-as. Os apuros financeiros do governo grego também foram causados, em grande parte, por desmandos cometidos antes da crise. Uma análise mais detida mostraria falhas de administração fiscal em alguns outros países da Europa Ocidental e também de antigos membros do bloco socialista. Com a crise, problemas acumulados durante anos se tornaram indisfarçáveis.

Nas economias pobres e em desenvolvimento, a crise prejudicou o avanço na direção das Metas do Milênio, definidas em 2000 pela Organização das Nações Unidas. A meta de reduzir a proporção de pobres, de 42% em 1990 para 21% em 2015, provavelmente será ultrapassada, em termos globais, mas não será alcançada pelos países mais carentes de recursos e mais instáveis politicamente.

Em 2015, a proporção das pessoas com renda inferior a US$ 1,25 por dia terá sido provavelmente reduzida para 15% no mundo todo - resultado bem superior à meta. Mas ainda será, de acordo com a projeção do Banco Mundial, de 38% na África ao Sul do Saara e de 23,6% na Índia, mas a meta de redução pela metade terá sido cumprida com pequena folga, porque a proporção era de 51,3% em 1990. Na América Latina e no Caribe, a parcela dos muito pobres terá passado, nesse caso, de 11,2% para 5%. Mas outras metas, como a redução da mortalidade infantil e mortalidade materna e acesso ao saneamento, provavelmente não serão atingidas em termos globais. O pior desempenho será o das economias mais dependentes de ajuda externa e, em muitos casos, mais frágeis em termos institucionais.
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