Brasil varonil

Os dois países de Lula

Sandro Vaia (original aqui)
Um país está indo bem, com a cabeça no lugar.

O presidente do Banco Central, com a austeridade de um monge, preside a reunião de um comitê de sábios financeiros que aumenta, por unanimidade, em 0,75% a taxa básica de juros, porque a inflação de demanda ameaça ressuscitar o velho e aparentemente adormecido dragão da inflação.

Um dia antes, Henrique Meirelles pontificou: “A autoridade monetária não precisa provar mais nada a ninguém. As decisões de política monetária são técnicas”.

País sério, esse país de Lula.

No Supremo Tribunal Federal, os juízes da mais alta corte do País decidiram que a Lei da Anistia não pode retroagir e excluir de seus efeitos os crimes de tortura, como a OAB queria. O Procurador Geral da República defendeu a posição do governo de que os efeitos da lei só poderiam ser modificados por outra lei aprovada pelo Congresso Nacional.

País maduro, esse país de Lula.

Na verdade, esse é um dos países de Lula - aquele mergulhado na realidade da vida cotidiana, que busca viver racionalmente, ao largo das paixões partidárias, sem malabarismo e sem feitiçarias, que procura - com percalços aqui e ali - seguir uma linha política e econômica pautada por um senso de responsabilidade que não tem nada a ver com as bravatas (na expressão dele) de campanha eleitoral. Um verdadeiro governo de continuidade - nenhuma linha mestra dos governos que o antecederam foi modificada, a não ser no discurso. E como se sabe, discursos podem mudar percepções, não a realidade.

O outro país de Lula, que ele mesmo manipula e estimula, é o país dos lulistas, que vivem num permanente e exaltado clima de recreio ideológico, brincando de arquitetar a reforma definitiva e profunda da sociedade, e que vão erigindo seus castelos de areia em cima, na maioria das vezes, de uma utopia socialista cujos escombros o resto do mundo civilizado já enterrou. Lula incentiva os seus lulistas a brincar com as bolhas de sabão, até que elas estourem sozinhas. Depois, sábio e ladino como é, dá de costas, deixa o recreio dos meninos para trás, e volta a cuidar da vida real.

As bolhas de sabão do recreio são os planos de estabelecer ‘controles sociais’ sobre a vida dos outros e sobre os meios de comunicação, de enterrar a anistia unilateralmente e punir só um dos lados, de apoiar as invasões de terra do MST, de estabelecer uma política externa Sul-Sul de efeitos pouco mais do que patéticos. O Lula lulista incendeia a retórica para animar o recreio ao mesmo tempo em que o Lula presidente, com a outra mão, cuida de não deixar o País sair dos trilhos.

Ele mesmo já disse, mas poucos de seus seguidores cuidaram de ouvi-lo e de refletir sobre o significado dessas palavras: “De vez em quando, acho que foi obra de Deus não permitir que eu ganhasse em 1989. Se eu chego em 1989 com a cabeça do jeito que eu pensava, ou eu tinha feito uma revolução no País ou tinha caído no dia seguinte.“

Lula está em 2010, mas a massa dos lulistas militantes está em 1989. E ele os mantém lá por puro cálculo político eleitoral. É mais fácil moldar as mentes quando elas estão em elevada temperatura, em grau de fusão. Manter o time pressionando no ataque, mesmo sem fazer gols, é a melhor maneira de deixar a arquibancada em excitação permanente.

O país de Lula é melhor que o país dos lulistas.

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Comentários

Saulo Gil disse…
Lula já faz parte do passado para o suposto sentimento citado entre os supostos lulistas. O presidente fez revolução ao seu estilo. Não temeu o assistencialismo de resgate e as críticas contínuas e alienadas sobre este tipo de política. O lulista, termo que os tucanos utilizam sempre em tons ofensivos, pode ser inteligente ao ponto de reparar que não existe mais espaço para radicalismo e a revolução está em pleno início. Isso me cheira mais ao temor da revolução Dilmista, que ela já avisou que virá no seu governo. Se Lula queria reduzir a miséria (e conseguiu), Dilma passa agora para a próxima fase do projeto que é a educação. A educação nacional (e sulamericana) necessita da intervenção revolucionária estatal, colocando todo Brasil na mesma panela. Ou seja, na escola básica, a classe social não pode mais determinar a qualidade de ensino. E, para isso, alguma revolução é necessária. Na minha humilde opinião, no segundo mandato da Dilma, ela unifica a educação básica. Tomara que o sonho socialista implícito nos lulistas e futuros Dilmistas seja defender o fim da educação básica privada predominante nos acessos ao ensino superior. No máximo, cooperativas, também subsidiadas e regulamentadas pelo Governo.

Os – Só não acredito muito que lulistas sejam representados por cidadãos com base teórica ao ponto de estarem contextualizados à realidade de 89. Lulistas são, em grande parte, trabalhadores que conseguem levar uma vida mais digna a cada ano que passa (após 2002). E, sobre isso, o governo Lula pouco herdou da gestão social fracassada da administração FHC.
sidney borges disse…
Lula disse:

“De vez em quando, acho que foi obra de Deus não permitir que eu ganhasse em 1989. Se eu chego em 1989 com a cabeça do jeito que eu pensava, ou eu tinha feito uma revolução no País ou tinha caído no dia seguinte.“

Concordo, Lula sabe das coisas.

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