Catacumbas do silêncio


A 'Legião' desmorona, ninguém noticia

Alberto Dines no Observatório da Imprensa
Na sexta-feira (26/3), em Roma, o comando da Legião de Cristo rendeu-se às evidências sobre a vida dupla ou tripla do seu fundador, o padre mexicano Marcial Maciel (1920-2008) - na foto acima, aos pés de João Paulo II.

Num breve comunicado admitiu, consternado, que "são certas as acusações contra o padre Maciel, entre as quais se incluíam abusos sexuais a seminaristas menores". O comunicado renegando o seu fundador foi assinado pelo atual diretor-geral da ordem, Álvaro Corcuera.

A inédita proclamação foi para a primeira página dos jornais europeus de sábado (27). O prestigioso El País dedicou-lhe duas páginas, uma delas com enorme foto do pontífice João Paulo II recebendo em audiência o sacerdote mexicano que tanto apreciava e tanto estimulou.

O padre Maciel não era apenas um assumido pedófilo (El País prefere usar a nomenclatura técnica: pederasta). Também abusou de seus filhos quando eram pequenos.

Filhos? Além do pecado da sodomia, Marcial Maciel, quebrou os votos de castidade e viveu maritalmente com Blanca Estela Lara (que conheceu quando tinha 18 e ele 56 anos), com quem teve três filhos.

A família apareceu há dias na TV mexicana e uma das crianças, agora adulto, contou com escabrosos pormenores com o seu pai tentou violá-lo e o obrigava a masturbá-lo.

Nossos jornais e revistas não têm correspondentes no México. Mas têm em Roma. Nada disso foi publicado aqui nem no sábado, nem no domingo.

A Legião de Cristo funciona no Brasil desde 1985. Em 2006, quando Bento XVI determinou que Marcial Maciel (então com 84 anos) se dedicasse apenas às orações e penitências, o caso foi escondido. Não era notícia. Esta é uma das centenas de não-notícias que uma imprensa engajada e assumidamente confessional como a nossa não se sente obrigada a publicar.

É preciso lembrar que Maciel não era apenas um pecador (na linguagem religiosa), criminoso (em termos jurídicos) ou um tarado (em linguagem corrente) – era um militante político de extrema importância.

A ordem dos Legionários de Cristo (fundada em 1941) era o braço armado da direita católica. Prosperou durante a longa ditadura franquista na Espanha e expandiu-se no Novo Mundo apoiada por uma igreja identificada com o que havia de mais conservador no espectro político.

A ordem conta hoje – segundo El País – com 900 sacerdotes, 3 mil seminaristas e 70 mil membros laicos espalhados por 18 países, Estados Unidos inclusive. Tem educandários, universidades e conta com formidáveis apoios empresariais.

De acordo com Garry Wills (historiador emérito, jornalista premiado, autor de 40 livros), a Legião de Cristo aparece nos créditos da famigerada produção de Mel Gibson, A Paixão de Cristo, e, junto com a Opus Dei, tentou extrair do Vaticano um endosso espiritual para o filme (The New York Review of Books, 8/4/2004).

Importante registrar que as duas organizações e seus fundadores assemelham-se tão somente no aspecto ideológico e no incentivo que receberam do Vaticano.

Josemaria Escrivá de Balaguer (1902-1975), criador da Opus Dei, canonizado em 2002, tem uma biografia imaculada. A de Maciel é a de um patife: além das imoralidades pessoais, passava-se por alto funcionário da Shell e agente da CIA.

A confirmação das heresias e apostasia de Marcial Maciel veio muito tarde. Há 13 anos, um canal de TV mexicano (CNI Canal 40) preparou uma longa reportagem sobre os abusos cometidos por Maciel.

O diretor do programa, jornalista Ciro Gomez Leyva convidou Legionários a contestar as acusações. A partir daquele momento a pressão da Igreja mexicana e da própria presidência da República tornou-se brutal. O documentário foi ao ar, mas no dia seguinte iniciou-se um bloqueio publicitário contra a emissora.

"Um dos mais vergonhosos casos de censura da história do México", relembra Leyva. "O poder e a fortuna dos Legionários de Cristo conseguiram, durante anos, converter o sofrimento de dezenas de vítmas em conspirações falsas e infundadas" (El País, 27/3/2010, págs. 28-29).

Vergonhoso também é o comportamento da imprensa brasileira (exceto Veja), que até hoje não conseguiu dar seqüência à reportagem de Roberto Cabrini emitida no SBT no dia 11/3 sobre os abusos sexuais praticados por um monsenhor em Arapiraca (AL).

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Comentários

Anônimo disse…
O Marcial Maciel foi o criminoso pedofilo que melhor soube se utilizar da Igreja e da sociedade de sua epoca para realizar seus crimes.
O caso dele parece com o de outros,mas não é,é singular,principalmente por sua habilidade e sofisticação.
Ele foi acusado na decada de 50 por seminaristas.
Foi imediatamente punido,com rapidez.
Foi obrigado a deixar suas funções,a deixar a Legião de Cristo,foi proibido até de ir a Roma enquanto se conduzia seu processo.
Mas ele era um criminoso habil,carismatico,que sabia manipular as pessoas ao seu redor.
Ele conseguiu fazer com que as vitimas admitissem que era tudo mentira e a retirar o processo contra ele.
Hoje as vitimas que o denunciaram admitem que ele escapou por esta razão.
Em seguida ele se utilizou do fato de que o Mexico tem fortes instituições anticlericais e que atacavam a Igreja,para criar o mito de que tudo era uma armação contra ele.
Criou uma ordem ortodoxa,que fez belos trabalhos no Mexico e na Igreja.
Foi um crime quase perfeito.
Ninguem conseguiu provar nada contra ele por decadas.

E para piorar,não apareciam novas vitimas.
Ele era um predador sexual que deve ter conseguido amantes que participavam e escondiam seus atos.
O escandalo posterior só aconteceu apos sua morte.
Uma senhora de Madri e sua filha acionaram a Legião alegando ser uma esposa e filha.
Foram reconhecidas pela Legião.
Elas não fizeram acusações,não querem aparecer,apenas lutam pelo direito de herança da jovem.
A outra mulher que surgiu,teve 2 filhos com ele.
O enteado que acusa o Maciel de pedofilia seria a melhor pessoa para esclarecer a maneira de agir do padre.
Mas ele cometeu um erro grosseiro.
Ele contratou um dos melhores advogados do Mexico para conduzir a causa,mas paralelamente tentou extorquir 26 milhões de dolares da legião em troca de um suposto silencio.
A legião denunciou a chantagem,o advogado abandonou o caso e hoje ninguem sabe o que é verdade ou mentira nas afirmações do rapaz,uma pena, pois provavelmente é tudo verdade.

Em 1994 um padre que foi vitima,em seu leito de morte,pediu as outras vitimas que se fizesse justiça.
Em 1995 o processo foi reaberto,quando as vitimas começaram a se reunir em busca de reiniciar as acusações.
Todas as vitimas foram ouvidas,o padre Maciel foi proibido de exercer suas atividades sacerdotais,e passou pela humilhação publica ,pois o vaticano reconheceu os crimes.
E a legião foi submetida a uma visitação apostolica ,uma intervenção que vai determinar sua extinção ou refundação.

O padre maciel vai entrar para o lixo da historia da Igreja.
Seu caso será sempre utilizado como exemplo do que se deve combater.
O Dines fala incorretamente em silencio da Igreja.
Neste caso em especial,as acusaçõs sempre foram muito fortes dentro da Igreja,feita por padres e leigos,que questionavam a veracidade da versão do padre maciel e principalmente a maneira de atuar da legião e do regnum christi.
O que existiu não foi silencio da Igreja,mas dificuldade de comprovar as acusações,dificultada pelo silencio da vitimas.

Interessante que mesmo sem querer,o Dines fez algo raro hoje no jornalismo,falou da qualidade da biografia do fundador do Opus Dei e colocou o caso maciel em perspectiva correta,ao falar nas dezenas de casos,não em zilhoes.

O Opus Dei e a Legião estão em extremos opostos nesse assunto.
O Opus Dei é a organização catolica que mais luta contra a pedofilia na Igreja, e que luta pela idoneidade e boa formação do clero.
Em off os membros diehard believers do regnum christi acusam o Opus Dei pela queda do padre Maciel e da Legião.

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