Brasil

Para enrolar os enroláveis

É cômodo repisar a necessidade de “impedir a volta do neoliberalismo tucano” ou de “reverter o aparelhamento do Estado pelo petismo”. Difícil é responder sobre coisas mais práticas

Alon Feuerwerker no Blog do Alon
Se ninguém impedir, há o risco de assistirmos a mais uma eleição alinhavada por abordagens abstratas e divagações. Será conveniente para os candidatos, pois o vencedor irá depois governar com mãos bem desimpedidas —como de hábito. Tem sido frequente nas eleições brasileiras. Discute-se de tudo um pouco, mas não o que o eleito efetivamente vai executar.

É um traço de subdesenvolvimento político.

Entre nós, a abordagem realista dos temas importantes costuma ser privilégio da Casa Grande, em conversas educadas e cínicas. A senzala deve contentar-se com o circo. Com as emoções, diriam os marqueteiros. Ou com generalidades supostamente programáticas.

Um exemplo é a polêmica sobre o papel do Estado. Teoricamente, haverá dura polarização este ano entre estatistas e privatistas. Mas ela permanecerá no plano das abstrações, das diferenças ideológicas. O que seria normal se Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva estivessem disputando a chefia do departamento de Ciência Política numa universidade qualquer.

Como a luta é pelo Palácio do Planalto, impõem-se perguntas relacionadas à vida prática. Se Dilma for eleita, que companhias privadas vai estatizar? E que empresas privatizadas por Fernando Henrique Cardoso ela vai retomar para o Estado?

Vale também para Serra. Em meio à mudez ele deixou vazar a preferência por um “Estado ativo”. Do que se trata? No que difere da administração petista? Em que outras atividades o governo vai se meter no caso de vitória do PSDB? Em que setores é necessária mais presença governamental, ou estatal? Ou menos? E como vai ser feito?

Quando a vida real bate à porta, tucanos e petistas são parecidos no que gostam de se dizer diferentes.

O Brasil é um dos piores países para os usuários de internet e telefonia, operadas por companhias nascidas na era da privatização. Os serviços são caros e ruins. A operação é oligopolizada e a regulação, ineficaz. Sem concorrência real, a agência reguladora está reduzida a figurante.

O governo de São Paulo pressionou as telefônicas a oferecerem planos de banda algo mais larga por preços módicos. O governo federal pressiona as telefônicas a oferecerem um plano similar ao paulista, talvez um tanto melhorzinho. Qual é a diferença então? O preço? A largura da banda? É isso? Saber quem negocia melhor?

O que cada candidato vai fazer para o brasileiro finalmente pagar pela telefonia e pela internet o que paga um americano, ou um europeu? Qual é o caminho? Abrir para mais concorrência? Reduzir impostos? Criar uma estatal que compita no mercado forçando o preço para baixo? Essa ideia foi posta para circular pelo governismo, mas aparentemente os argumentos da turma de sempre vêm sendo bons para fazer, de novo, o governo recuar.

O mesmo raciocínio vale para outros temas, tão sensíveis quanto. Quem vai finalmente dar um jeito no spread bancário? Falar em “ativismo estatal” num país onde o capital financeiro pinta e borda sem nada temer das autoridades não é programa de governo, é roteiro de programa de humor.

Qual é a razão para o tomador de empréstimo consignado comprar uma televisão para a família e pagar duas, a dele e outra que dá de presente ao banco? Por que os equipamentos de informática à venda no Brasil são mais caros e de qualidade inferior? O que deve ser feito para corrigir isso? E em que prazo será corrigido?

São algumas perguntas. Há delas em quantidade suficiente para preencher colunas até outubro. Sobre todos os temas. Elas são fáceis de formular, mas pelo visto difíceis de responder. Daí que não tenham sido respondidas até hoje. Mais cômodo é repisar a necessidade de “impedir a volta do neoliberalismo tucano” ou de “reverter o aparelhamento do Estado pelo petismo”.

Conversas para enrolar incautos, enquanto o dia da eleição, e de estourar a champanhe, não chega.
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