Opinião

A retórica da integração

Editorial do Estadão
Do presidente mexicano Felipe Calderón: "O ideal de Bolívar, de uma América unida, continua vivo e está mais vivo do que nunca." Do presidente venezuelano Hugo Chávez: "Podemos dizer que o sonho de Simon Bolívar foi realizado." Do presidente cubano Raúl Castro: "Transcendência histórica." Do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva: "Fato histórico de grande dimensão." Mesmo para os padrões da vizinhança, é confrangedor o contraste entre a retórica derramada para saudar a criação de um novo ente multilateral na região e as suas mais do que óbvias limitações para integrar "uma só nação americana, unida em seus valores de democracia, justiça e igualdade", como declamou Calderón.

Ele e outros 31 chefes de Estado e governo, reunidos durante dois dias em Cancún para a Cúpula da América Latina e Caribe (Calc), assinaram a certidão de nascimento da entidade que o venezuelano queria que se chamasse Organização dos Estados Latino-Americanos, para distinguí-la da OEA controlada pelo "império", enquanto o mexicano, o pai do rebento, preferia União dos Estados Latino-Americanos e do Caribe. Por sugestão brasileira, o primeiro termo foi substituído pelo mais modesto "Comunidade", do que resultou a sigla Celac. Eis outra contribuição para o prolífico abecedário político regional que designa iniciativas cuja efetividade varia na razão inversa das fanfarronadas com que são anunciadas.

Em nenhuma passagem das enxundiosas 88 páginas que atestam a vinda ao mundo da Celac, fruto do enlace entre a Calc e o Grupo do Rio (o mecanismo de consultas com 18 países-membros criado em 1986, também sem a participação dos Estados Unidos), se encontra uma descrição do que será a sua estrutura e o seu funcionamento. Esses detalhes, bem como o estatuto e a sede comunitária, serão decididos na próxima reunião da Calc, marcada para julho de 2011, em Caracas. Se Lula quiser, a presidência do organismo ainda informe será sua. Chávez já propôs o seu nome e Calderón o saudou como "o líder indiscutível da nossa região". O brasileiro não quis se despedir de seus pares, lembrando que irá se encontrar com eles "em muitos fóruns" até 31 de dezembro - um involuntário lembrete da profusão de oportunidades para se louvarem uns aos outros, ou para trocarem desaforos, como tem ocorrido ultimamente, e mostrar a língua para os americanos.

A isso já se prestam a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), a Aliança Bolivariana (Alba) de Chávez e, em alguma medida, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul). A recém-nascida OEA do B, como inevitavelmente vem sendo chamada, barra a entrada dos Estados Unidos e do Canadá e abre as portas a Cuba, excluída da OEA original. Essa parece a sua única razão de ser, além, naturalmente, de servir de palco para canções diplomáticas de protesto e desfile de guayaberas - uniforme oficial da nova entidade. Em Cancún, o momento alto do show foi a condenação unânime da prospecção de petróleo, por uma empresa britânica, nas Malvinas. No embalo, Lula ergueu a voz contra as Nações Unidas (ONU) por não apoiar as pretensões argentinas sobre as ilhas que reivindica desde o século 19. Segundo ele, a ONU privilegia o Reino Unido porque tem assento permanente no Conselho de Segurança - a ambição maior da política externa lulista.
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