Opinião

Risco nas contas externas

Editorial do Estadão
Os candidatos à Presidência deveriam preocupar-se desde já com a situação das contas externas. Seus programas deveriam incluir medidas para controlar o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos, um buraco estimado pelo mercado financeiro em US$ 48 bilhões em 2010 e em US$ 59 bilhões em 2011. Com a economia de novo em crescimento, esse buraco poderá transformar-se num rombo difícil de cobrir. O aumento das importações é inevitável, mas ninguém pode dizer se as exportações crescerão em ritmo suficiente para garantir um mínimo de segurança cambial. Quem já se preocupava com a evolução das contas externas teve mais um motivo de inquietação com a entrevista do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, publicada no Estado de quarta-feira.

"No curto prazo, digamos neste ano e possivelmente no próximo, o déficit em conta corrente brasileiro será financiado pelo investimento estrangeiro direto", disse o presidente do BC. "De outro lado, se o déficit em conta corrente continuar a aumentar e for objeto de preocupação, para isso temos o câmbio flutuante. A combinação de câmbio flutuante com reservas elevadas é adequada para que agentes refaçam projeções, de forma que as taxas de câmbio sejam ajustadas a níveis sustentáveis", acrescentou.

O otimismo é parte do papel de qualquer autoridade econômica. Além disso, o ajuste do setor externo é certamente mais fácil com o câmbio flutuante. O argumento do entrevistado é muito respeitável. Mas nada garante um ajuste suave, mesmo com esse regime cambial. Além disso, o financiamento da conta corrente é apenas parte de um problema bem mais amplo.

A conta corrente do balanço de pagamentos é composta de três itens: a balança comercial de mercadorias, a de serviços e a de transferências unilaterais. A primeira é tradicionalmente superavitária, mas, quando acumulou déficits, o resultado foi desastroso. A segunda é estruturalmente deficitária (contas de viagens, fretes, seguros, juros, lucros e dividendos, royalties e assistência técnica). A terceira é normalmente superavitária (graças ao dinheiro remetido por trabalhadores brasileiros no exterior). Quando esse conjunto é deficitário, o buraco é coberto com dinheiro recebido via balança de capitais (investimentos diretos, aplicações financeiras e empréstimos) ou com o uso de reservas cambiais.

O investimento estrangeiro direto não envolve endividamento e, além disso, é mais confiável que as aplicações em papéis. Estas são mandadas de volta mais prontamente, diante de qualquer piora no cenário. Aqueles investimentos acabam resultando, no entanto, em remessas de lucros. Até aí, tudo certo. Quem investe espera ganhar num prazo razoável. Mas o envio de lucros tende a acelerar-se em caso de insegurança ou quando a matriz precisa de dinheiro com urgência.

A mudança no fluxo de capitais pode ser repentina. Quando ocorre, o câmbio se desvaloriza. Isso favorece as exportações e dificulta as importações, mas as firmas exportadoras podem estar despreparadas para uma reação imediata. Esse atraso pode ser particularmente grave quando o câmbio, valorizado por muito tempo, facilitou a ocupação de amplas fatias de mercado por fornecedores estrangeiros. Nesse caso, o ajuste pode ser demorado e penoso.

O câmbio tem prejudicado os produtores brasileiros, mas isso é só uma parte da história. As empresas enfrentam graves desvantagens, por causa de vários problemas bem conhecidos - o famigerado "custo Brasil". A tendência ao desajuste externo é em parte explicável, portanto, por deficiências microeconômicas. Os economistas tendem a valorizar as causas macroeconômicas e apontam a insuficiência da poupança interna. Essa insuficiência é inegável, mas é possível atenuá-la por meio de uma política fiscal mais séria (sem desperdícios, por exemplo, com uma inflada e custosa máquina administrativa).
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