Opinião

O PT sempre foi dois

Editorial do Estadão
Os 30 anos do Partido dos Trabalhadores (PT), completados ontem, reavivaram os habituais comentários sobre o partido que foi um e virou mais um. Não que essa metamorfose seja uma invencionice ou uma versão irreconhecível de seu percurso. A sigla da estrela de fato se apresentou ao País como portadora exclusiva de uma promessa de mudança radical fundamentada no combate a "tudo isso que está aí": não apenas o regime autoritário cujo esgotamento o novo sindicalismo liderado por Lula, o metalúrgico, ajudaria a apressar, mas a ordem política e as instituições de Estado que existiriam para perpetuar as iniquidades sociais brasileiras. E, de fato também, à medida que começou a subir os degraus que o levariam ao topo desse mesmo sistema, o PT passou a recorrer com desenvoltura crescente aos usos e costumes da velha política que fazia praça de abominar, sob o igualmente velho mantra, menos ou mais assumido, de que os fins justificam os meios.

Com Lula instalado e confirmado no Planalto, os fins originais do petismo - promover o desenvolvimento e o progresso social - se tornaram meios para um fim maior: a ocupação do aparato administrativo federal e de seus satélites na esfera econômica, criando uma relação simbiótica entre Estado e partido, a ponto de já não se saber com clareza quem aparelha quem. Perto disso, as alianças com figurões que representam o que a política nacional tem de mais arcaico - e o próprio mensalão - chegam a ser peças acessórias de um processo sistemático de açambarcamento do poder, que deu na República dos Companheiros. No entanto, dizer apenas que o PT era um antes e outro depois equivale a desconsiderar um aspecto central de sua história que importa, em não pouca medida, para a história da estabilidade política no País neste último quarto de século. Trata-se da dissonância, que vem do berço petista, entre o discurso e a prática.

Com a sua retórica incendiária, o PT parecia preparar-se para liderar uma revolução que desembocaria numa forma de socialismo. Não pelas armas, mas pela ação das massas que obrigaria os donos do poder a concessões cada vez mais significativas aos novos atores em cena: o partido e os movimentos populares a ele vinculados (além da Igreja Progressista, setores da intelligentsia, profissionais da área pública e figurantes sortidos). A realidade que o som e a fúria petista encobriam e que, por isso, muitos tardaram a perceber, mesmo entre a companheirada, era mais prosaica: o PT como partido eleitoral. Apesar das origens de uma parcela de seus membros, a agremiação jamais agiu como se contemplasse outra via de acesso ao poder além das urnas. A expressão "greve geral insurrecional", por exemplo, não entrou para o seu léxico. Ao contrário das aparências, em suma, jogou sempre pelas regras do sistema.

É o que distingue a legenda dos partidos da esquerda histórica europeia, a maioria dos quais nasceu de olhos postos na revolução. O PT, nesse sentido, é fruto do tempo em que o povo atacou não o Palácio de Inverno do czar, mas o Muro de Berlim do socialismo real. Assim como a social-democracia, porém com menos compostura, o petismo no poder também se inclinou para o centro. No seu caso, sob a condução do primeiro de seus pragmáticos, Lula da Silva. Além da opção pelas urnas, assim que surgiu no horizonte a primeira eleição presidencial direta pós-ditadura, em 1989, o PT decidiu que a disputa pelo Planalto prevaleceria sobre todas as outras (o que continua a fazer ainda agora para fechar o apoio do PMDB a Dilma Rousseff). Nada, portanto, de comer o pudim pelas bordas, ainda mais quando se tem um nome formidável para ir direto ao que interessa, como ficou provado com a ida de Lula ao segundo turno com Collor.
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