Opinião

Sem marcha nem documento

Editorial do Estadão
Há dez anos o Fórum Social Mundial, inaugurado em Porto Alegre com todo o glamour contestatório da intelligentsia de esquerda, como contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos, constituía-se num ponto de referência do debate social, por mais que se discordasse da ideologia predominante de seus habituais participantes. Assim permaneceu, durante alguns anos, com variações de qualidade e frequência, mas com energia suficiente para repercutir em teses opostas às surgidas no simpósio da Suíça. Mas o que se viu sábado em Porto Alegre e domingo em Salvador foi o melancólico encerramento de uma reunião que, com o tempo, se tornou irrelevante - tão desimportante que os participantes não tiveram energia para realizar a simbólica final nem para redigir um documento com as "conclusões" do Fórum, se é que chegaram a alguma.

Não faltaram, é claro, palavras de ordem e manifestações despudoradamente partidárias. "Barrar a volta do neoliberalismo ao País", numa clara referência às eleições presidenciais, foi um slogan dos mais frequentes. De fato, embora fosse uma reunião internacional, com temas globais, o que mais se fez foi discutir um calendário de mobilizações voltado para as eleições caboclas deste ano, lançado pela Assembleia de Movimentos Sociais do Fórum Social Mundial. Além disso, sob a condução da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do PC do B, no último dia da etapa gaúcha do Fórum foi aprovada - sem votação - uma "interpretação" da mobilização oposicionista em torno do escândalo do mensalão, em 2005, atribuindo-lhe cunho golpista e semelhança com outros golpes ocorridos na América Latina, como o da Venezuela, em 2002, e o de Honduras, em 2009.

A linguagem dominante no simpósio continuou sendo aquela dos tempos da guerra fria. E não faltaram os ataques à liberdade de expressão, tão em moda atualmente. "As elites se utilizam e fortalecem novos instrumentos de dominação. Sua principal arma hoje é a grande mídia e os grandes veículos de comunicação. São esses organismos que funcionam como verdadeiros porta-vozes das elites conservadoras e golpistas." Assim, reproduziram-se em Porto Alegre as mesmas táticas totalitárias empregadas na Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela para sufocar a imprensa livre e, depois, as restantes liberdades civis.

A reunião na Usina do Gasômetro, na zona portuária da capital gaúcha, começou com mais de 500 pessoas e terminou com menos da metade desse público. A tradicional passeata final, que iria do Gasômetro até a Assembleia Legislativa, foi cancelada por falta de manifestantes.

O Fórum Social Mundial Temático da Bahia não teve final menos melancólico. Seu ponto alto, no encerramento de domingo, deveria ser a anunciada presença de 15 chefes de Estado e de governo. Mas, apesar das reconhecidas atrações turísticas soteropolitanas, nenhum deles compareceu ao evento. E, dos 30 mil participantes esperados, estima-se que apenas 10 mil tenham ido à capital baiana.

Para se ter a exata ideia da importância política do encontro, basta mencionar que o maior destaque ficou por conta da ex-prefeita paulistana Luiza Erundina (PSB) - que, por sinal, também pregou a criação de um "mecanismo de fiscalização e controle público dos meios de comunicação", que deveria ficar a cargo de "um órgão com participação paritária do governo, dos profissionais da área, consumidores e empresários, com poder de deliberar sobre políticas de comunicação, processos de concessão, sobre a programação veiculada, que nem sempre obedece aos direitos humanos".

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