Coluna da Segunda-feira

Leitura e formação

Rui Grilo
Nesta semana, li em algum lugar uma notícia relatando que em algumas prisões do estado de São Paulo está se desenvolvendo um trabalho de leitura com os presidiários. O trabalho está se expandindo de tal maneira que foi necessário a montagem de um um curso para mediadores de leitura. A leitura dessa notícia me fez lembrar de experiências semelhantes desenvolvidas anteriormente e me fez pensar em alguns problemas que a educação enfrenta.


Muita gente assistiu o filme “Central do Brasil” e pode perceber os problemas que o analfabetismo cria para as pessoas dificultando a comunicação. Mas pouca gente sabe que o filme foi baseado na experiência de troca de correspondência entre a presidiária Socorro e o artista Franz Krajberg, que vivia no litoral da Bahia. Quando se discute o desempenho da escola, geralmente se comenta o baixo desempenho tomando-se por base questões gramaticais como o uso inadequado de singular e plural, de uso de pronomes ou de correção ortográfica. Pouco se questiona se ela contribui para o desenvolvimento do gosto pela leitura, se o aluno continua a ler depois que sai da escola ou se lê outros livros além daqueles que a escola obriga.

A crítica se limita a esses aspectos porque são mais fáceis de medir enquanto os aspectos formativos que a leitura, especialmente de textos literários, ajudam a desenvolver são mais difíceis de medir e seus resultados só aparecem a longo prazo. Até que ponto, a correspondência entre Socorro e Krajberg contribuiu para que ambos desenvolvessem valores e laços afetivos, ajudando-os a terem uma vida melhor e mais humana. Mas soube que já houve experiências de escolas em que os alunos se correspondiam com presidiários. O que será que representou essa experiência para os dois lados – alunos e presidiários ?

Portanto, se a escola conseguisse formar leitores permanentes, já teria cumprido mais de 90% de sua tarefa porque o simples ato de ler contribui para a melhor compreensão de si, do outro e do mundo, ampliando o conhecimento, garantindo o acesso a tempos, lugares e costumes diferentes, e, ao mesmo tempo, ampliando e incorporando novas palavras ao vocabulário e o uso de diferentes estruturas lingüísticas.

Talvez, a razão do fracasso na formação de leitores esteja no uso freqüente de textos tendo como principal objetivo o estudo de normas gramaticais e de preparação para o vestibular e não para atender a sua curiosidade e a sua necessidade de trabalhar com o imaginário.

As experiências mais bem sucedidas de formação de leitores, centram-se nos aspectos lúdicos e na compreensão de si, do outro e do mundo, proporcionados pela ficção que, embora trabalhando com a imaginação e sem os limites impostos pela realidade, tem como base e princípio a observação e análise da própria realidade.

Como exemplo do papel relevante da literatura na formação das pessoas me lembro de dois filmes de fácil acesso: “Hurricane, o Furacão” e “Escritores da Liberdade”.

Em “Hurricane”, um jovem negro, que havia sido adotado, descobre em um sebo um livro sobre um pugilista que havia sido preso e com quem se identifica e passa a se corresponder, lutando para libertá-lo.

Não só consegue libertá-lo como se forma em advocacia. O contato dele com o livro modificou a sua vida.

Não comentarei “Escritores da Liberdade” pois espero que cada um procure assisti-lo para entender as possibilidades que se abrem com essa forma de trabalhar a língua e a literatura.
Rui Grilo

ragrilo@terra.com.br

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