Calor
2012. O fim está próximo
Sidney Borges
Seu eu disser que está fazendo calor não estarei sendo sincero. Não há palavras capazes de expressar a sensação térmica deste 2 de fevereiro. Está no mínimo sufocante. O estado das coisas é tal que não deveria ser permitido trabalhar. Iríamos todos tomar a fresca à beira-mar. Olhar o infinito debaixo de um chapéu de sol, com água de coco gelada e cafuné. Nesse estado d'alma deitei-me na rede depois do almoço, cação grelhado e salada.
No jardim o ar tremia embaralhando a visão, fixei um ponto e me pareceu ver um homem trabalhando. Escrevendo sobre uma mesa. No meu jardim? Cáspite! Levantei-me com cuidado para não acordar o cachorro e cheguei perto com ar investigativo.
Na parede um calendário mostrava o ano: 1555. A cidade: Provença, na França. Sem levantar a cabeça nem tirar a pena de ganso do papel o homem me observou pelo canto dos olhos e continuou a escrita. Quem sois vós, perguntou em galego arcáico. Pensei antes de responder, não falo galego arcáico, mas sei que quem fala entende português, assim respondi o que me veio à cabeça. Sou um viajante.
O silêncio foi quebrado por uma gargalhada estridente que parecia vir do quinto dos infernos, mas vinha de uma gaiola coberta. O louro está com fome, disse o homem que escrevia. Eu o comprei no futuro, qualquer dia vou lá e trago um bicho menos barulhento, esse grita e canta o tempo todo, já está começando a atrair a atenção dos inquisidores.
Então és um viajante, somos todos não é mesmo? O que o traz aqui viajante?
O calor, respondi. Está tão quente na minha terra que a única saída é viajar, ainda que sem sair do lugar. Viajo no jardim, foi lá que encontrei sua casa.
Interessante, muito interessante. A propósito, meu nome é Nostradamus, sou um visionário, agora mesmo estou ocupado com as eleições brasileiras de 2010. Tu és brasileiro não é mesmo, conheci o sotaque, teu latim é peculiar.
Como estão as eleições brasileiras, perguntei ansioso. Seria um furo sensacional se eu publicasse o resultado em fevereiro e no dia da apuração minhas previsões se confirmassem. O Ubatuba Víbora ganharia fama e o editor fortuna. Os anunciantes viriam do Oeste e do Leste, do Oiapoque e do Chuí, ululando e suplicando por espaço para apregoar seus produtos.
Nostradamus disse que tanto poderá dar Serra como Dilma. E anunciou que 2010 será o último ano de Lula na política. Ele não voltará em 2014. Argumentei que o plano do PT é eleger Dilma para preparar a volta de Lula.
Nostradamus ficou sério. Lula não voltará em 2014, disse enfático. Não teremos eleições em 2014, o mundo vai acabar em 21 de dezembro de 2012.
Agora vamos à taverna tomar vinho e dar risadas com as garotas. Vou mandar selar os cavalos.
Cavalos? Não sei andar a cavalo, não dá para ir a pé?
Não sabes andar a cavalo? Como te deslocas na tua terra?
Ando de ônibus, carro, metrô, avião, mas de cavalo só andei uma vez e não gostei. Melhor deixar o vinho pra outra vez.
Como queiras, volte sempre, mas não te esqueças, 21 de dezembro de 2012. Aproveite, contraia dívidas, gaste, faça tudo o que tiver vontade, pois nesse dia fatídico a humanidade vai pro beleléu.
Enquanto o vidente falava o louro deu outra gargalhada mefistofélica, tão estridente que quase caí da rede. Acordei. Ainda bem, está na hora de passear com o cachorro...
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Sidney Borges
Seu eu disser que está fazendo calor não estarei sendo sincero. Não há palavras capazes de expressar a sensação térmica deste 2 de fevereiro. Está no mínimo sufocante. O estado das coisas é tal que não deveria ser permitido trabalhar. Iríamos todos tomar a fresca à beira-mar. Olhar o infinito debaixo de um chapéu de sol, com água de coco gelada e cafuné. Nesse estado d'alma deitei-me na rede depois do almoço, cação grelhado e salada.
No jardim o ar tremia embaralhando a visão, fixei um ponto e me pareceu ver um homem trabalhando. Escrevendo sobre uma mesa. No meu jardim? Cáspite! Levantei-me com cuidado para não acordar o cachorro e cheguei perto com ar investigativo.
Na parede um calendário mostrava o ano: 1555. A cidade: Provença, na França. Sem levantar a cabeça nem tirar a pena de ganso do papel o homem me observou pelo canto dos olhos e continuou a escrita. Quem sois vós, perguntou em galego arcáico. Pensei antes de responder, não falo galego arcáico, mas sei que quem fala entende português, assim respondi o que me veio à cabeça. Sou um viajante.
O silêncio foi quebrado por uma gargalhada estridente que parecia vir do quinto dos infernos, mas vinha de uma gaiola coberta. O louro está com fome, disse o homem que escrevia. Eu o comprei no futuro, qualquer dia vou lá e trago um bicho menos barulhento, esse grita e canta o tempo todo, já está começando a atrair a atenção dos inquisidores.
Então és um viajante, somos todos não é mesmo? O que o traz aqui viajante?
O calor, respondi. Está tão quente na minha terra que a única saída é viajar, ainda que sem sair do lugar. Viajo no jardim, foi lá que encontrei sua casa.
Interessante, muito interessante. A propósito, meu nome é Nostradamus, sou um visionário, agora mesmo estou ocupado com as eleições brasileiras de 2010. Tu és brasileiro não é mesmo, conheci o sotaque, teu latim é peculiar.
Como estão as eleições brasileiras, perguntei ansioso. Seria um furo sensacional se eu publicasse o resultado em fevereiro e no dia da apuração minhas previsões se confirmassem. O Ubatuba Víbora ganharia fama e o editor fortuna. Os anunciantes viriam do Oeste e do Leste, do Oiapoque e do Chuí, ululando e suplicando por espaço para apregoar seus produtos.
Nostradamus disse que tanto poderá dar Serra como Dilma. E anunciou que 2010 será o último ano de Lula na política. Ele não voltará em 2014. Argumentei que o plano do PT é eleger Dilma para preparar a volta de Lula.
Nostradamus ficou sério. Lula não voltará em 2014, disse enfático. Não teremos eleições em 2014, o mundo vai acabar em 21 de dezembro de 2012.
Agora vamos à taverna tomar vinho e dar risadas com as garotas. Vou mandar selar os cavalos.
Cavalos? Não sei andar a cavalo, não dá para ir a pé?
Não sabes andar a cavalo? Como te deslocas na tua terra?
Ando de ônibus, carro, metrô, avião, mas de cavalo só andei uma vez e não gostei. Melhor deixar o vinho pra outra vez.
Como queiras, volte sempre, mas não te esqueças, 21 de dezembro de 2012. Aproveite, contraia dívidas, gaste, faça tudo o que tiver vontade, pois nesse dia fatídico a humanidade vai pro beleléu.
Enquanto o vidente falava o louro deu outra gargalhada mefistofélica, tão estridente que quase caí da rede. Acordei. Ainda bem, está na hora de passear com o cachorro...
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