Opinião

A falta de apelo e a apelação

Editorial do Estadão
Com a inestimável contribuição do presidente do PSDB, o senador pernambucano Sérgio Guerra, o presidente Lula e a sua criatura eleitoral, a ministra Dilma Rousseff, deram esta semana a largada para o festival de capoeira política com que pretendem suprir as carências aparentemente insanáveis da candidata em se afirmar como presidenciável dotada de luz própria. No primeiro comício do ano, travestido de ação administrativa - a inauguração de uma barragem no empobrecido Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais -, a ministra acionou o seu conhecido temperamento agreste para instalar no coração do eleitorado o medo de que uma eventual vitória da oposição abra as portas para o desmanche dos programas sociais de Lula.

O pretexto para a investida foi uma entrevista do senador Guerra. Nela, com a sutileza de um helicóptero americano pousando diante do semidestruído palácio do governo do Haiti, Guerra anunciou que os tucanos acabarão com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por se tratar de uma ficção. No diagnóstico, ele está certo. O PAC é uma invencionice publicitária para Lula mostrar serviço no descuidado setor de infraestrutura e turbinar o nome Dilma, "a mãe" do programa. Perto de 2/3 das 7.700 obras que o integram ainda não saíram do papel. Apenas 10% foram concluídas. Mas uma coisa é apontar o fiasco que expõe a lorota da capacidade gerencial da ministra. Outra é ajudar o presidente aprovado por 80% da população, prometendo acabar com seja lá o que for que tenha feito.

Deu no que deu. A declaração do senador - de tão desastrosa que poderia vir de um petista infiltrado na cúpula tucana - proporcionou a Dilma a chance de "chutar do peito para cima", como diria o seu patrocinador. "Vira e mexe querem acabar com algum programa do governo Lula. Em 2006, queriam acabar com o Bolsa-Família", aterrorizou. Dias depois, o Planalto propagou a versão de que ela tinha dado prova de traquejo ao chamar a oposição para a briga. Na realidade, observadores independentes registraram a esqualidez do desempenho da candidata, a sua fala desprovida de força e empatia genuínas, a sua atitude subalterna em relação ao chefe de quem é a antítese no quesito carisma e a quem não cessa de invocar para se associar a ele como que por osmose.

Eis por que Lula avisou que levará a ministra a tantas inaugurações quantas puder nestes primeiros três meses - só até o fim de fevereiro deverão ser pelo menos 11, em 7 Estados -, pois a partir de abril "a Dilma já não estará mais no governo e quem for candidato não pode nem subir no palanque comigo". A compreensível insegurança do presidente com os futuros voos solos da sua eleita o leva a exacerbar a mobilização do governo em seu favor e a escalar no vale-tudo.

Na quinta-feira, transformou a primeira reunião ministerial do ano em sessão de comitê eleitoral, reiterando a estratégia de fazer da sucessão um plebiscito. "Quero", anunciou autocraticamente, "fazer a campanha do quem sou eu e quem és tu." "Eu" não seria Dilma, mas o governo Lula, nem "tu" seria José Serra, mas o governo Fernando Henrique.

Num assomo de cinismo, mesmo para os seus padrões, exortou a equipe a evitar o "jogo rasteiro" da oposição, para que a disputa "não seja de baixo nível" - e de um só fôlego disse que Guerra é um "babaca". A grosseria não saiu sem querer. O autor sabia que ela seria relatada à imprensa. Foi, portanto, o prenúncio de um deliberado ciclo de selvageria política.
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