Circo da Notícia

Respingos de tinta e penas voando

Por Carlos Brickmann no Observatório da Imprensa (original aqui)
Notícias, investigações, preocupação com os leitores? Infelizmente, essas coisas saíram de moda: muitos jornalistas esqueceram sua antiga preocupação e se dedicam a preparar dossiês contra jornalistas adversários, procurando desmoralizá-los. A folhas tantas convocarão as mães a plenário. Informação, só a que puder ser instrumentalizada, para prejudicar o outro lado, político ou jornalístico. E o consumidor de informação, que paga a conta, fica de lado – ou melhor, fica cada vez mais tentado a não pagar a conta.

As guerras que assolam o meio jornalístico são múltiplas: Daniel Dantas ou não, Luiz Roberto Demarco ou não, juiz Fausto de Sanctis ou advogados, Lula-Dilma ou Serra-Fernando Henrique, beneficiários da publicidade petista ou beneficiários da publicidade tucana. As enchentes em São Paulo se devem à incompetência tucana, conforme um lado, ou às chuvas que superaram todas as expectativas, ultrapassando os índices históricos, conforme outro; a informação completa, de que houve recorde de chuvas, há demora em obras há muito prometidas e não completadas, há o entulho e o lixo que a população joga nos córregos, isso simplesmente não se transforma em notícia. Já as enchentes do Rio são menos graves, porque o governador e o prefeito são do PMDB, e há PMDB em todos os lados da briga midiática.

Nos velhos tempos era assim: os jornais guerreavam, os jornalistas-estrelas guerreavam, as teorias de cada um eram mais importantes que os fatos. Os tempos mudaram, o jornalismo, acreditávamos, avançou. Agora retorna aos maus e velhos tempos.

O fato é que, para o consumidor da informação, que paga o salário de cada jornalista, o que um acha do outro não tem a menor importância. Importante é a notícia. E, na briga de egos e partidos, é exatamente a notícia – correta, ampla, o mais objetiva possível, o mais imparcial possível, o mais isenta possível – que tem ficado de lado.

A voz do leitor


O médico Nelson Nisenbaum, de São Bernardo do Campo (SP), petista até debaixo dágua, escreve para a coluna exatamente sobre este assunto: notícias incompletas. Este colunista gosta do doutor Nelson Nisenbaum, gente fina, mas normalmente discorda de suas opiniões (Nisenbaum acredita em Luiz Marinho, Lula e Dilma, e este colunista prefere acreditar em duendes, embora duendes também mintam muito). Mas sua opinião, como cidadão politizado e preocupado com notícias, que paga caro para saber o que vai pelo mundo, vale a pena:

"As grandes mídias publicaram a mais que bem-vinda notícia de que o Poder Judiciário afastou o deputado `do dinheiro na meia´ de suas funções na Câmara Distrital do Distrito Federal e também os deputados envolvidos no escândalo do `mensalão do DEM´ de suas funções na CPI sobre o episódio. Até aí, parece que está tudo bem. Mas não está. Com raras exceções (eu só vi, ou melhor, ouvi, pelo rádio, uma) alguém se deu conta de que era necessário noticiar a parte mais importante da história. O Poder Judiciário não fez isso por sua livre iniciativa. O lado mais importante da história é o cidadão que entrou com reclamação na Justiça por meio de uma ação popular (que qualquer cidadão, mesmo isoladamente, pode mover) contra os ilustres deputados.
"Por que a imprensa não está valorizando o ato de cidadania e o cidadão em questão (um advogado do Distrito Federal com três décadas de carreira, segundo informou na entrevista que ouvi)? Quer a imprensa que os cidadãos em geral acreditem que o Judiciário age sozinho, sem provocação? Que ninguém precisa se mexer para que as coisas aconteçam?


"Sem qualquer intenção de menosprezar o ato heróico e seminal do nobre magistrado, temos de fazer a justa reverência ao cidadão que pôs sua indignação em prática, tomando para si a responsabilidade coletiva de uma sociedade atordoada pela infindável coletânea de improbidades derivadas da promiscuidade da relação público-privada. Aliás, vale ainda comentar que a grande imprensa gosta muito de noticiar o lado podre da política, mas poupa os protagonistas do outro lado.

"Corrupção é uma via de mão dupla. Onde está o outro lado? Há quanto tempo não se ouve falar daquele luxuosíssimo shopping de São Paulo, frequentado pela mais alta classe da cidade (e talvez, do país), que a PF mostrou ser uma das maiores máquinas de sonegação fiscal que o país já teve? A filha do então governador de São Paulo trabalhava lá. Por que não foi tratada pela imprensa da mesma forma que o filho do presidente da República quando este foi acusado de enriquecimento suspeito?

"No triste episódio do Haiti, Israel está presente com maciça ajuda humanitária, médica, estrutural, mas alguém viu isso na grande mídia? Eu, pelo menos, não vi, e corrijam-me se eu estiver errado. Por que não publicaram? Por que não apontam a ausência de alguns países que nadam em petrodólares?

"O que se espera da imprensa é que dê a notícia completa, pelo menos, e que use o mesmo peso para os dois ou mais lados das histórias. Felizmente, a internet vem viabilizando um novo tipo de mídia, mais democrática, mais plural, que estimula a reflexão e o contraponto, e sem censura aos leitores que pensam diferentemente de seus editores e patrocinadores".

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