Opinião

Lula e os enigmas do futuro

Boris Fausto
Em meio a uma conversa despretensiosa, um amigo me pergunta: como você acredita que Lula e seu governo serão avaliados no futuro? Evitei dizer que assuntos do futuro se situam no campo das projeções dos cientistas políticos, enquanto os historiadores lidam com o passado. Preferi enfrentar a questão, embora a resposta seja difícil, na melhor das hipóteses.


Isso por duas razões principais, e a primeira é bastante óbvia. A carreira política do presidente Lula não está encerrada. Não só porque ele tem ainda um ano de mandato, às voltas com o triunfo, custe o que custar, da sua candidata a presidente. Depois, porque não se sabe quem vencerá as eleições, afora a possibilidade, ao menos hoje vista como muito possível, de que Lula volte a se candidatar, nas eleições de 2014.

A outra dificuldade da resposta é menos óbvia e tem que ver com a constatação de que não existe "um veredicto da história". Essa dama caprichosa flutua ao sabor das diversas interpretações, umas superando as outras e vice-versa, ao longo do tempo. Dois exemplos expressivos: Getúlio Vargas é lembrado, por um lado, como o pai dos trabalhadores, o ícone da industrialização, o doador da legislação trabalhista e, de outro, como o repressor das liberdades públicas, do direito de expressão e como introdutor da tortura de presos políticos.

Na Argentina, guardadas as diferenças, o mesmo acontece com o general Perón. Mais ainda, sua figura se projeta, retrospectivamente, no passado. O controvertido Juan Manuel de Rosas, que governou um país cuja unidade ainda não se realizara, em boa parte das décadas de 1830 e 1840, é visto como antecessor do nacionalismo personalista e do peronismo, tanto por peronistas como por liberais, mas com avaliações opostas. Assim, respectivamente, Rosas ganha as cores de um abominável caudilho ou de um notável precursor da construção da nacionalidade. É curioso notar, no caso de Getúlio, que a imagem positiva se impôs à negativa. Os aspectos condenáveis dos 15 anos do primeiro governo Vargas figuram em segundo plano, como evidenciam os textos publicados por ocasião dos 50 anos de seu suicídio.

Mas a pergunta de meu amigo abre caminho a outra abordagem: ela gira em torno das perspectivas da história imediata, voltada a um passado que é quase presente, e da história a ser escrita no futuro. Superada, nos dias de hoje, a questão da possibilidade de escrever a história do presente, convém lembrar as diferenças.

É verdade que quem vive ou viveu fatos muito recentes reflete nos escritos suas opiniões e mesmo suas paixões com maior intensidade. O historiador distanciado dos eventos tende a ser mais frio, mas dificilmente consegue introduzir em sua narrativa um elemento importante: o calor da hora. Outra diferença significativa é a inclinação do historiador do presente no sentido de ressaltar a trama da política cotidiana, enquanto o historiador do futuro tenderá a ignorar processos e fatos que para os contemporâneos são relevantes. Em certos casos, ele terá ainda a vantagem de poder pesquisar em arquivos hoje indisponíveis ou desconhecidos, como ocorreu, com alto rendimento, no caso da história da União Soviética.

A essa altura, vou ao tema da pergunta inicial lidando só com alguns aspectos mais significativos. No plano pessoal, o futuro deverá lembrar a extraordinária biografia de Lula, que já nos dias de hoje está a merecer uma análise equilibrada. Se os primeiros anos da biografia são conhecidos, quem se preocupará, no futuro, em responder a muitas questões que emergem quando a história de vida chega à fase adulta? Prevalecerá uma narrativa mítica ou outra que se preocupe em indagar como se deram as inflexões de sua carreira? Como um discurso com um verniz socialista - "verniz" porque seu conteúdo nunca foi explicitado - se converteu num extremado pragmatismo, para dizer o menos, que levou a alianças com Sarney, Collor, Renan Calheiros, Roberto Jefferson e tutti quanti, mas levou também à sensatez, no âmbito da política econômica e financeira?
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