Coluna do Mirisola

Os filhos de FHC e Lula, e outras águas

Marcelo Mirisola*
"Jornalões, jornalistas e jornaleiros... raças em extinção? O mundo vai acabar em 2012? Luciana Gimenez está preocupada e sou daqueles que querem ser levados pelo fogo. Mas tenho certeza que Deus vai me deixar por aqui... para escrever uma crônica"

Foi numa entrevista que Cony concedeu a Mauricio Melo Junior, na TV Senado. Mauricio é um desses raros entrevistadores que leem os livros e jamais perguntam coisas do tipo “do que fala seu livro”. Pude constatar isso “in loco”. Abraço, Mauricio.

Em determinado momento da entrevista, antes de discorrer sobre Memórias de um Sargento de Milícias, Cony estabelece a diferença entre o cronista e o romancista. Segundo o autor de Pilatos e Posto 6 - portanto, um sujeito que faz muito bem as duas coisas e sabe o que está falando - o primeiro é peixe de aquário: está ali para soprar amenidades no ouvido do leitor passageiro. Podemos encontrá-lo nas ante-salas de consultórios dentários ou no hall de entrada de churrascarias de gosto duvidoso, e geralmente carne de primeira. O cronista é uma distração. Ele afaga, decora o ambiente. Um fofoqueiro de luxo. Uma comadre remunerada. Nunca tem uma tese; se faz e ganha o pão no reino das generalidades, dos palpites. Uma exceção óbvia e ululante me vem à mente: Nelson Rodrigues – esse é outro papo.

E o segundo é peixe cascudo, de águas profundas, vive e produz isolado: não faz nenhuma questão de ser bonitinho e piscar luzinhas coloridas para o deleite de sua audiência, aliás, ele dispensa a tal audiência. Escreve apesar dos poucos leitores que o admiram, apesar dele mesmo. Com ele, não tem lero-lero. O cara é ambicioso e intratável. O negócio dele são os desvãos da alma, os voos tonitruantes sobre abismos infernais. Um pé no saco. Claro que também há exceções, e é claro que o mesmo sujeito pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo: os exemplos são numerosos, a começar pelo próprio Cony. Diferenças estabelecidas, posso dizer o seguinte: não é raro que o cronista atrapalhe o trampo do romancista e vice-versa. Sobretudo se ele for a mesma e problemática pessoa. Está acontecendo isso comigo, aqui e agora. Depois de 86 crônicas publicadas no Congresso em Foco, com apenas duas brevíssimas interrupções ao longo de quase dois anos, sinto que o parafuso dá dando uma espanada. Ou eu faço uma coisa ou faço outra. Ou faço as duas coisas pela metade.

Vejam só. Essas últimas duas semanas foram um verdadeiro banquete para os cronistas. Uniban, Taleban e a minissaia da Geisy, biscate ou Joana D’Arc?, depois o caso de Cesare Battisti, assassino ou perseguido político? Eis a questão. O STF que lavou as mãos e mandou o pepino para Lula. A partir daí só deu Lula, Lula e Cesare Battisti, Lula e Ahmadinejad, Lula e Dilma, Lula e Serra, Lula e Caetano Veloso, Caetano Veloso e Lula, a mãe do Caetano Veloso e Lula, Lula e o papel higiênico, a bolha no pé de Adriano, o Imperador (“imperador” só se for das negas dele) e o desfalque no jogo contra o Corinthians de Lula, Lula e a Rainha da Inglaterra, depois Lula nos porões da ditadura querendo estuprar ninfetos subversivos (?), Lula estuprador ou um delírio dos adversários? Quem estaria por trás dessa baixaria? Os judeus? Seria uma retaliação aos afagos que Lula fez em Ahmadinejad?

A internet pulverizando tudo e pondo em xeque a “grande clamídia”. Jornalões, jornalistas e jornaleiros... raças em extinção? O mundo vai acabar em 2012? Luciana Gimenez está preocupada e sou daqueles que querem ser levados pelo fogo. Mas tenho certeza que Deus vai me deixar por aqui... para escrever uma crônica. Como vocês podem perceber, não faltam especulações, teorias conspiratórias e um cardápio imenso de pequenezas e abobrinhas para o cronista se esbaldar. Tive assunto para – no mínimo – uma dezena de crônicas. Não bastasse, o mensalão do DEM e o filho bastardo de FHC que apareceu de carona, vindo diretamente da Europa: quem diria (ah, quanta fofoca...) FHC era o grande comedor das Diretas Já! E a dona Ruth dava pra quem?

Daí para emendar para conclusões absurdas bastaria apenas um piparote. Vou aqui exercitar o máquina de abobrinhas, e darei meu veredicto (porque os cronistas precisam, inclusive, não ser vaselina o tempo todo): as políticas de Lula e de FHC e de todos os outros, aliás, são a mesmas: adular banqueiros e pôr pra dentro. Não importa de quem, geralmente do povo. O presidente do Paraguai não foge à regra, porém é mais convencional. Só no papai e mamãe. Semana passada apareceu mais um filho do ex-bispo paraguaio. Viram? Uma coisa puxa a outra, um filho puxa o outro e o cronista é um verdadeiro fabricante de linguiças. E já que o assunto é filho, voltamos a Lula, ou melhor, ao filho de Lula, o Lulinha que é filho do Brasil. Ops! Errei. Quem é Filho do Brasil é o Lula, Lulinha é o neto, pois então, o neto do Brasil levou os amigos pra dar uma banda no avião da FAB... quanta merda, meu Deus! Vejam só leitores, o que jamais faltará ao cronista é assunto. Mais um pouco vou acabar no zoológico disputando bananas com o Macaco Simão.

Tô de saco cheio disso. Não entendo como é que as pessoas não cansam. Como é que elas ainda “participam” e ficam indignadas. E o pior: como é que esse caminhão de informações não se transforma em coisa alguma, a não ser em mais inutilidade. O mundo virou um grande charque. A tiazinha futriqueira do Clube Espéria e o mais furioso dos anarquistas, o careca nazista e o hare krishna mais xarope e pacifico são feitos do mesmo material. Tá todo mundo online, já que a imprensa escrita – dizem os cronistas - foi pro beleléu.

A internet é um imenso paralelepípedo de isopor. Só mesmo num lugar primitivo feito Cuba pra uma blogueira quebrar um pouco da rotina de uma meia dúzia de tatus.

Eu, romancista, penso que muita gente está sendo feita de trouxa. A começar por mim. Se dependesse da minha vontade, o mundo acabava depois da próxima reviravolta do Palmeiras no Brasileirão - portanto não vai ser dessa vez, Luciana Gimenez, relax. No diálogo entre Borges e Sábato, um dos dois, agora não me lembro quem foi, disse que os jornais deveriam ter edições quando tivessem realmente notícias a dar, por exemplo:" Colombo descobriu a América!". Entenderam? O que me interessa se Lula é fanchona? Se o Serra é o vampiro do Trianon ou se FHC tem preferência por jornalistas de economia que usam cabelo chanel? Assunto não me falta. O que me falta é ânimo para ser peixe de aquário.

Sinceramente? Isso tudo é bullshit, às vezes, porém, tenho a felicidade de navegar em outras águas.

Meu Memórias da Sauna Finlandesa foi para a gráfica na quarta-feira da semana passada. De quinta para sexta-feira, escrevi um conto. Quero, aqui, agradecer ao Paulo Malta, meu editor, que parou as rotativas (serão rotativas?) e conseguiu incluir esse novo conto no volume. Isso que é notícia. Outras águas. Cansei de ser peixe de aquário. Nem se o Obama cismar de ir jogar capoeira no Pelourinho, eu me animo. Já imaginaram que fofocaria? Não vou gastar meu teclado nem se o Sarney bater com o rabo na cerca. O máximo que posso fazer é disputar a vaga dele na Academia Brasileira de Letras. Obama e Sarney são assuntos pro Nelson Rubens e pro Capeta respectivamente. Embora, confesso, eu adoraria acompanhar a Roseana de óculos escuros no enterro do pai, acho mulher de óculos escuros em enterro a coisa mais tesuda do mundo. Taí, esse é o meu fetiche sadomasô: um dia verei Roseana no enterro do pai e a Rosinha no enterro no marido, as duas lindas, austeras, cheias de embargo e de óculos escuros. Tesão.

Entrementes, eu podia falar algo sobre a crise de Dubai que remeteria à crise econômica do ano passado e que remeteria... a quem? A quem? Adivinhem? Não, não! Não quero saber de marolinhas. Já disse: estou submerso em águas profundas, coisa de vinte mil léguas submarinas. Dane-se Dubai, quero mais é que Dubai volte a ser um deserto.

E que Deus me perdoe se um dia me omiti, esse é o único pecado – a meu ver - que alguém pode cometer nessa vida, seja ele um Barack Obama, um Acará Bandeira ou um daqueles monstros marinhos que se quedam imóveis nas profundezas do oceano, aguardando suas presas na penumbra absoluta, em águas eternas e inexpugnáveis.

*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.


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