Opinião

O veto aos fichas-sujas

Editorial do Estadão
Mais de 1,3 milhão de brasileiros assinaram o projeto de iniciativa popular, entregue terça-feira ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, que torna inelegíveis os candidatos que tiverem sido denunciados em primeira instância ou com denúncia acolhida em um tribunal por uma série de delitos - racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas -, bem como os já condenados por corrupção eleitoral. Os signatários expressam o repúdio da sociedade à anomalia que permite a delinquentes de todo tipo colecionar mandatos eletivos em busca da impunidade, quando não da reincidência no crime. Os chamados fichas-sujas, dos quais se pode dizer que não têm biografia, mas folha corrida, infestam as instituições representativas em todos os níveis, acobertados pela complacência de sucessivas levas de congressistas que, ao longo dos anos e decerto não por acaso, deixaram de vedar a brecha legal que entrelaça a bandidagem com a política.

A brecha está na Lei de Inelegibilidades aprovada em 1990 para cumprir a determinação constitucional de serem estabelecidos os casos em que os tribunais eleitorais podem barrar candidaturas, "a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato". Foi exatamente o que os legisladores desconsideraram, limitando-se a ecoar o artigo da Carta segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória". O princípio é inquestionável. Mas se problemas na "vida pregressa" podem inabilitar interessados em participar de concursos para admissão no serviço público, mesmo que não tenham sido condenados em última instância, por que a restrição não se aplicaria a futuros parlamentares ou governantes? A proposta de iniciativa popular levada ao Congresso, complementando a legislação capenga de 19 anos atrás, responde adequadamente à indagação.

Ela talvez poderia ter sido desnecessária se o devido processo legal no Brasil não se prestasse a inumeráveis espertezas judiciais que remetem para o Dia de São Nunca a decisão final em processos cujos réus são capazes de pagar advogados especializados em protelações que, a rigor, escarnecem do princípio da inocência salvo prova definitiva em contrário. O veto aos fichas-sujas, nos termos propostos pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, representa um contraponto a essa realidade que revolta o cidadão comum. Não procede o argumento de que alguém responder a um processo é pouco para deixá-lo inelegível ou que "a decisão solitária de um juiz", como alegam os políticos, tampouco basta para barrar uma candidatura. "A condenação em primeira instância é suficiente", explica o deputado Flávio Dino (PC do B-MA), "porque antes disso já ocorreram dois fatos: o Ministério Público ofereceu denúncia e esta foi aceita."
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