Brasil

Patriotada olímpica

Demóstenes Torres
Houve quem considerou que a revista The New Yorker publicou uma reportagem de 12 páginas sobre a situação devastadora da violência no Rio de Janeiro como argumento preparado para dar suporte à campanha de desestabilização da Cidade Maravilhosa.

A sustenção da revolta dos compatriotas engajados foi o fato de a matéria ter sido editada justamente na semana da escolha da sede das Olimpíadas de 2016.

Vejam que absurdo dizer na capa da revista que as favelas do Rio se tornaram um território aberto à guerra entre policiais e bandidos motivado pela conjugação da negligência governamental com o império dos traficantes de drogas.

O documento jornalístico tem como fundamento a trajetória marginal do narcomafioso Fernando Gomes de Freitas, lugar-tenente da organização criminosa no Morro do Dendê conhecida como Terceiro Comando Puro.

A reportagem traça um perfil detalhado das atividades do desqualificado bandido, que além do tráfico ilegal de entorpecentes – com o qual é estimado ter um ganho mensal de US$ 300 mil – movimenta uma rede de venda de proteção a empresas de ônibus, operadoras de TV a cabo e companhias de venda de gás.

Autoridade máxima na favela, o traficante é descrito como espécie de Deus no Morro do Dendê.

Justiceiro implacável e assassino frio, o tal Fernando relata ao repórter de The New Yorker que se considera um verdadeiro prefeito ao mediar os conflitos da comunidade em que se insere.

Por outro lado, conforme relaciona a folha corrida do marginal, ele não hesita em promover sentença sumária de execução contra quem não concorda ou desobedece seu ordenamento bandido.


O grupo do traficante, segundo a reportagem, é descrito por uma moradora local como “os açougueiros”, justamente pela metodologia de retalhar as vítimas e jogar os corpos despedaçados na Baía da Guanabara, onde os restos mortais viram comida de caranguejo.

A reportagem vai além ao mostrar o lado bandido das milícias, que já governam aproximadamente cem das quase mil favelas do Rio de Janeiro.

A matéria da revista comenta também como a ausência do Estado permitiu que as organizações criminosas impusessem o próprio sistema de justiçamento e tributação, tendo no poder do armamento pesado a palavra de ordem na favela.

Poder que exerce atração irresistível nos jovens do morro em busca de respeito e ascensão social.

Os vícios da estrutura policial também estão contemplados no documento jornalístico, especialmente a ineficiência e a corrupção da função repressora do Estado, descrita como concorrente do crime organizado na cadeia produtiva de negócios escusos.

A matéria menciona inclusive que as polícias do Rio de Janeiro são as que mais matam no mundo e cita números: enquanto na Cidade Maravilhosa os confrontos com bandidos têm um saldo de três mortes por dia, em todo o território americano em 2008 ocorrências desta natureza somaram 371 casos.

O Rio de Janeiro venceu a disputa para hospedar os Jogos Olímpicos de 2016, mas nem por isso continua simplesmente lindo.

Acho fantástico quando vem uma autoridade do Ministério da Justiça se jactar do fato de o dossiê sobre segurança pública elaborado para convencer o Comitê Olímpico Internacional da viabilidade da Cidade Maravilhosa tenha levado “Medalha de Ouro.”

Por questão de otimismo responsável, prefiro aquela máxima do Garrincha de que primeiro temos de combinar com os russos. Com a palavra, o chefe do Terceiro Comando Puro que a polícia é incapaz de prender.

Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)
(Do Blog do Noblat)

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