Opinião

Chantagem explícita

Editorial do Estadão
Certamente o presidente Lula julgava que todo o esforço despendido na "salvação" do presidente do Senado, José Sarney, haveria de produzir a maior tranquilidade no relacionamento com seu mais importante aliado da base de sustentação, o PMDB. Tendo forçado os três membros do PT no Conselho de Ética a contrariar a orientação do líder da bancada - Aloizio Mercadante, o protagonista da já famosa renúncia à renúncia irrevogável - e a rechaçar as 11 representações contra o presidente da Casa, Lula contava com o fortalecimento da aliança para as eleições presidenciais de 2010, e com o apoio firme das bancadas peemedebistas para a aprovação de projetos de interesse do governo.

O que o Planalto não esperava era que, em lugar de mostrar-se apascentado, o PMDB se tornasse muito mais voraz do que sempre foi e apelasse para a chantagem explícita como sempre faz: sem a liberação dos recursos orçamentários para as suas emendas parlamentares, a bancada da Câmara continuaria obstruindo a pauta de votações de interesse do governo. Argumentavam os deputados peemedebistas que a liberação das emendas seria uma forma de compensação pela perda de repasses de recursos federais aos municípios. Mas se o governo federal reduziu tais repasses é porque também sofreu uma significativa perda de arrecadação - de cerca de R$ 85 bilhões, este ano, em relação ao estimado no Orçamento. É claro que isso é resultado da crise econômica que não poupou nenhuma entidade da Federação - nem União, nem Estados, nem municípios - da quebra de receitas. E a única forma de "compensar" a redução das transferências obrigatórias é a austeridade fiscal - o tradicional corte orçamentário. Mas essa receita ninguém quer usar em período eleitoral.

Nem é preciso dizer - por óbvio - que a grande preocupação dos parlamentares federais é a de atender os municípios de suas bases eleitorais às vésperas de um ano eleitoral. No Orçamento há cerca de R$ 6 bilhões referentes a emendas parlamentares, dos quais apenas R$ 1,2 bilhão foi liberado. A forma que os peemedebistas encontraram para pressionar o governo a liberar suas emendas - nisso também influenciando outros partidos da base aliada, que têm o mesmo objetivo - foi a obstrução de matérias de interesse específico do governo, como são os casos do projeto de emenda constitucional (PEC) que recria a CPMF com o nome de Contribuição Social para a Saúde; da PEC que libera parte do dinheiro destinado à educação, que é retida pela Desvinculação de Receitas da União; da MP que libera créditos para a exportação e permite a participação da União em fundo garantidor de crédito; e do convênio pelo qual o Brasil aumenta a sua cota no FMI.

Normalmente, quem faz obstrução é a oposição. A situação, na palavra irônica do deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), o que faz é "greve". Seja como for, os peemedebistas decidiram não permitir que o governo aprovasse novas leis de seu interesse. E o governo não encontrou meios de resolver o problema, senão ceder. Isso explica o tom conciliatório que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, usou desde o início. Para ele, as reclamações dos parlamentares peemedebistas procedem: "Vamos trabalhar com o universo das emendas individuais, não temos condições de liberar as de bancada ou as de comissão." Certamente estas são as que mais interessam aos parlamentares em ano eleitoral. E o ministro disse mais: "Estamos conversando para ver se a gente define um cronograma de liberação, mas não posso deixar de registrar que temos uma mudança muito importante no quadro fiscal." Quanto a isso não há dúvida. Até agora o Ministério do Planejamento só conseguiu liberar R$ 1,2 bilhão em emendas individuais, contra R$ 3 bilhões liberados no mesmo período do ano passado. Mas estava claro que o governo faria das tripas coração para saciar o apetite do seu principal aliado eleitoral.
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