Opinião

O grito não mudou a verdade

Editorial do Estadão
O governo se agarrou a um fio de palha para tentar encobrir a mentira da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao negar que tivesse chamado a seu gabinete a então secretária da Receita Federal, Lina Maria Vieira, para determinar que agilizasse a devassa na contabilidade de Fernando Sarney, o filho mais velho do presidente do Senado que toca os negócios do clã. O fio de palha foi a passagem do depoimento de Lina Maria no Senado, em que ela disse não ter se sentido pressionada pela ministra. "Se não houve pressão", alardeou o líder do governo na Casa, Romero Jucá, "não havia problema." Foi secundado pelo líder peemedebista Renan Calheiros: "Se houve ou não o encontro, não tem mais importância central." O presidente Lula, enfim, comentou que a ex-secretária "recuou". Quiseram jogar areia nos olhos do público - e erraram o alvo.

Afinal, o que se averigua desde o início desse episódio não é o que aconteceu no encontro anunciado por Lina, mas apenas se o encontro aconteceu. Em outras palavras: quem mentiu. O que ameaça a candidatura de Dilma é a pecha de mentirosa e não o que possa ter feito para ajudar Sarney.

A rigor, desde que a funcionária confirmou à Folha de S.Paulo ter tido um encontro reservado com Dilma, o lulismo ficou refém da atitude da ministra de desmentir taxativamente o episódio. "A reunião privada, a que ela se refere, eu não tive", assegurou. É possível que Dilma tenha se sentido encorajada pelo fato de Lina Maria não apresentar provas objetivas do que afirmava. Ela tampouco soube precisar quando ocorreu a reunião - falou em "final de 2008". Além disso, Lina Maria alegou estar sem a agenda em que a sua ida ao Planalto poderia ter sido anotada.

A tal ponto o governo se empenhou em bancar a desqualificação da funcionária da Receita que o próprio Lula não resistiu a dar uma temerária contribuição. "Qual a razão que essa secretária tinha para dizer que conversou com a Dilma e não mostrar a agenda?", perguntou numa entrevista. "Só tem um jeito: abrir a mala em que ela levou a agenda e mostrar a agenda para todo mundo." Até amigos do presidente notaram que ele se expôs desnecessariamente. Ao mesmo tempo, alegando razões de segurança, o Planalto se recusou a liberar as fitas que registram as visitas ao palácio e que poderiam corroborar ou calar a versão de Lina Vieira. Por último, não tendo conseguido impedir que a oposição a convidasse a depor, os lulistas recorreram à costumeira truculência para intimidá-la, insinuando que teria cometido crime de prevaricação (por não ter denunciado, como servidora pública, o ato da ministra).

Foi nesse clima que ela admitiu ter feito uma "interpretação errada" da demanda de Dilma - não seria necessariamente para "encerrar" a investigação, mas para lhe dar "celeridade". Mas - e é isso que o governo tentou toscamente abafar - a ex-secretária descreveu com profusão de detalhes a sua ida ao Planalto, identificando o motorista que a transportou e reconstituindo o diálogo com a ministra - "ela foi cirúrgica", avaliou. De volta à Receita, tendo sido informada de que "tudo estava em ordem" com a devassa, deixou o assunto de lado. Mostrou-se segura de si ao assinalar que "não mudo a verdade no grito" e, numa resposta ao presidente, que "não preciso de agenda para dizer a verdade". Principalmente, acusou Dilma de ter-lhe feito um pedido "incabível". Foi "uma ingerência desnecessária e descabida", repetiu. Só mesmo o desdém de Lula pelos fatos que o incomodam para considerar isso um recuo.
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