Opinião

A Universal na Justiça

Editorial do Estadão
A plena liberdade religiosa, garantida pela Constituição, não permite que se discrimine esta ou aquela organização religiosa, por estranhos ou condenáveis que pareçam seus métodos de angariar adeptos ou administrar seu trabalho de proselitismo - e, além do mais, questão de fé é coisa que não se discute. No entanto, as organizações religiosas estão obrigadas - e jamais poderão ser dispensadas disso - a obedecer às leis do País. Se a Constituição concede isenção tributária a essas organizações é pela presunção de que elas não auferem lucros - como o fazem as empresas privadas, obrigadas a pagar impostos -, porquanto todas as suas receitas, provenientes dos dízimos ou de doações de fiéis, são canalizadas para suas próprias atividades religiosas.

O juiz da 9ª Vara Criminal de São Paulo, Gláucio Roberto Brittes, aceitou denúncia do Ministério Público (MP) paulista contra Edir Macedo Bezerra, fundador e líder da Igreja Universal do Reino de Deus, e mais nove integrantes dessa igreja, pelas acusações de formação de quadrilha e de lavagem de dinheiro. A denúncia se baseia numa ampla apuração da movimentação financeira dessa entidade, em seus 32 anos de existência. Iniciada em 2007, a investigação levou à quebra judicial dos sigilos bancário e fiscal da Universal, levantando o patrimônio acumulado por seus dirigentes entre 1999 e 2009 - já que, mesmo isentas de pagar impostos, as organizações religiosas são obrigadas a declarar o volume de recursos e bens doados que receberam de seus fiéis. Segundo a Receita Federal, a Universal arrecada cerca de R$ 1,4 bilhão por ano.

Segundo dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) - órgão do Ministério da Fazenda destinado ao combate à lavagem de dinheiro -, juntando-se as transferências atípicas e os depósitos bancários em espécie feitos por pessoas ligadas à Universal, a receita financeira da igreja, no período de março de 2001 a março de 2008, foi de cerca de R$ 8 bilhões, e a movimentação suspeita foi de R$ 4 bilhões, de 2003 a 2008. Mas para o Ministério Público o problema não reside na quantidade de dinheiro arrecadado pela organização, e sim no destino e no uso que lhe foi dado pelos líderes da igreja. Grande parte desses recursos teria saído do País por meio de empresas e contas de fachada, abertas por membros da igreja, para depois ser repatriada, também por empresas de fachada, para contas de pessoas físicas ligadas à Universal. E esse dinheiro teria servido para comprar emissoras de rádio e de televisão, financeiras, agência de turismo e jatinhos.

Para o Ministério Público, os dirigentes da Universal desrespeitam a lei porque, quando o dinheiro originado das contribuições dos fiéis é desviado para comprar ou viabilizar empresas comuns, a imunidade fiscal, garantida pela Constituição, está sendo burlada. E outro desrespeito - que também embasa a denúncia - é ao direito, dos fiéis da Universal, de terem os recursos que oferecem à igreja destinados às atividades religiosas da igreja e não ao patrimônio de seus dirigentes. Na peça acusatória do MP há o seguinte tópico: "Podemos citar como exemplo a compra da TV Record do Rio de Janeiro. A empresa foi adquirida em nome de seis membros da Igreja Universal do Reino de Deus, que justificaram a origem da transação (avaliada em US$ 20 milhões) através de empréstimos junto às empresas Investholding e Cableinvest" - empresas essas localizadas em paraísos fiscais (Ilhas Cayman e Ilhas do Canal), que por sua vez recebiam recursos das empresas Unimetro e Cremo, do Brasil. E estas apresentavam altos depósitos bancários sem qualquer indício de atividade comercial - pois tais recursos provinham dos dízimos e doações dos fiéis da Universal.
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