Lembranças

Tarde inesquecível

Sidney Borges
Casa térrea e estreita, bloco geométrico coberto com quatro águas. Na frente a janela pintada de verde, ao lado a porta alta, de duas folhas, aberta para o quintal de terra batida. No terreiro árvores frutíferas. Uma jaboticabeira, uma goiabeira e um pé de mamão carregado.

Na frente da casa uma pequena multidão se formara, juntei-me ao grupo que observava silencioso. O cachorro branco, sarnento, com o rabo entre as pernas, coçou-se e sumiu no fundo do quintal. Estava apreensivo, a sensibilidade canina pressentia maus flúidos no ar.

Os policiais começaram a atirar móveis e objetos no quintal, uma mulher chorava baixinho, eu a conhecia, era a mãe do Ratinho. Os dois moravam na casa, ele tinha algum tipo de retardamento, trabalhava como vendedor de bilhetes de loteria. Devia ter pouco mais de quarenta anos, a mãe passava dos sessenta, era costureira. Ratinho andava sempre de paletó, gostava de parquinhos e quermesses onde encontrava Norma, amor secreto. Eram parecidos, um pouco estranhos, diferentes. Eu gostava deles, mais da Norma, expansiva, contadora de histórias de fantasmas.

Depois de empilhar no quintal mesa, cadeiras, camas, roupas, um rádio e a máquina de costura, os guardas empurraram o monte de cacarecos para a rua. Nada daquilo fazia sentido, perguntei a um homem que picava fumo de cócoras. O que é isso? Ele olhou para mim e disse: isso é um despejo, coisa triste. E continuou picando fumo. Negro como a asa da graúna.

Aos poucos a multidão foi se dispersando, os policiais lacraram a casa e colocaram um papel na porta. Tinha alguma coisa escrita, eu não sabia ler. Era uma típica tarde de verão, o céu começava a cobrir-se de núvens escuras.

Hora depois passei pelo local e vi Ratinho e sua mãe tomando contas dos preciosos bens, ou do que restara deles. O cachorro sarnento dormia. Estava escurecendo e começavam a cair as primeiras gotas, a tempestade viria em seguida. Nunca me esquecerei daquele rostos silenciosos e expressivos. E desabrigados. Despejo. Coisa triste.

Twitter

Comentários

t disse…
Olá Sidney! Conheci seu blog pelo twitter do Serra. Muito bacana. Eu sou de Ubatuba, mas atualmente moro em SP. Amo saber que existe gente pensando minha amada cidade! Virei leitor! Abraço!!!

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu