Real
O lado escuro da moeda
por Daniel Piza (original aqui)
Os festejos dos quinze anos do Plano Real não foram muito realistas. A estabilidade, ou seja, o fim da inflação alta, foi saudada por todos; algumas divergências surgiram apenas na questão do câmbio, pois até hoje há quem queira proteger artificialmente a moeda de desvalorizações bruscas. O governo Lula segue a mesma política, tendo aprimorado apenas alguns mecanismos de crédito e aumentado as reservas internacionais. Li também que o ganho foi cultural, no sentido de que permitiu às pessoas em geral conhecer o valor das coisas, obter financiamentos de prazo mais longo, repudiar gastos públicos faraônicos. Ok. Mas convenhamos: o paraíso está ali, na outra esquina, bastando caminhar mais um pouco?
É óbvio que não. Durante anos ouvimos que essa seria uma política “neoliberal”, mas ela não o foi no único sentido consensual da expressão: como me cansei de escrever no final dos anos 90, ela aumentou a participação do Estado na economia, não o contrário. A carga tributária é o sinal principal: no governo FHC, ela passou de 25% para 31% do PIB; no governo Lula, chegou agora a mais de 35%. Ou seja, o Estado brasileiro continua a tirar mais e mais da sociedade, sem lhe devolver o correspondente. Se pagasse menos juros, investisse melhor e fosse menos corrupto, estaríamos em outro patamar econômico. E não só isso: com sua burocracia e burrice, o Estado atravanca a produção. Torna caro o emprego, tributa o consumo, concentra a arrecadação na União. Se não fosse assim, mais riqueza seria gerada e ele mesmo sairia ganhando a médio prazo. Só que para tanto é necessário fazer reformas, e a era tucano-petista não levou nenhuma adiante.
Nada contra a estabilidade monetária (embora a moeda ainda não seja forte, o que significaria conversível) e os programas sociais (até porque o Bolsa Família custa pouco mais de R$ 10 bilhões anuais, rubrica das menores do orçamento federal); mas o cerne, a relação entre Estado e sociedade, não foi tocado. Continuamos no esquema oligárquico, em que há pouca liberdade econômica, a classe média assalariada paga quase todas as contas e a exportação se pauta em agropecuária e mineração. Culturalmente, isso se manifesta na confusão contínua entre público e privado, da qual Sarney é um exemplo completo: ele trata o Senado como a extensão de sua família e de seus negócios. E, portanto, se julga acima das leis e instituições, a tal ponto que nesta semana foi convertido de réu em juiz.
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por Daniel Piza (original aqui)
Os festejos dos quinze anos do Plano Real não foram muito realistas. A estabilidade, ou seja, o fim da inflação alta, foi saudada por todos; algumas divergências surgiram apenas na questão do câmbio, pois até hoje há quem queira proteger artificialmente a moeda de desvalorizações bruscas. O governo Lula segue a mesma política, tendo aprimorado apenas alguns mecanismos de crédito e aumentado as reservas internacionais. Li também que o ganho foi cultural, no sentido de que permitiu às pessoas em geral conhecer o valor das coisas, obter financiamentos de prazo mais longo, repudiar gastos públicos faraônicos. Ok. Mas convenhamos: o paraíso está ali, na outra esquina, bastando caminhar mais um pouco?
É óbvio que não. Durante anos ouvimos que essa seria uma política “neoliberal”, mas ela não o foi no único sentido consensual da expressão: como me cansei de escrever no final dos anos 90, ela aumentou a participação do Estado na economia, não o contrário. A carga tributária é o sinal principal: no governo FHC, ela passou de 25% para 31% do PIB; no governo Lula, chegou agora a mais de 35%. Ou seja, o Estado brasileiro continua a tirar mais e mais da sociedade, sem lhe devolver o correspondente. Se pagasse menos juros, investisse melhor e fosse menos corrupto, estaríamos em outro patamar econômico. E não só isso: com sua burocracia e burrice, o Estado atravanca a produção. Torna caro o emprego, tributa o consumo, concentra a arrecadação na União. Se não fosse assim, mais riqueza seria gerada e ele mesmo sairia ganhando a médio prazo. Só que para tanto é necessário fazer reformas, e a era tucano-petista não levou nenhuma adiante.
Nada contra a estabilidade monetária (embora a moeda ainda não seja forte, o que significaria conversível) e os programas sociais (até porque o Bolsa Família custa pouco mais de R$ 10 bilhões anuais, rubrica das menores do orçamento federal); mas o cerne, a relação entre Estado e sociedade, não foi tocado. Continuamos no esquema oligárquico, em que há pouca liberdade econômica, a classe média assalariada paga quase todas as contas e a exportação se pauta em agropecuária e mineração. Culturalmente, isso se manifesta na confusão contínua entre público e privado, da qual Sarney é um exemplo completo: ele trata o Senado como a extensão de sua família e de seus negócios. E, portanto, se julga acima das leis e instituições, a tal ponto que nesta semana foi convertido de réu em juiz.
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