Opinião

Situação insustentável

Editorial do Estadão
O senador José Sarney transformou-se em um fardo para um número crescente de colegas - a começar da bancada do PT. A ampla divulgação das fitas em que se ouve o presidente do Senado tratando com o filho da nomeação do namorado da neta para uma vaga de assessor parlamentar, consumada por ato secreto, agravou o desconforto dos senadores petistas com a exigência do presidente Lula para imitá-lo no apoio ao oligarca cercado de denúncias por todos os lados. No começo do mês, chamados à ordem por Lula, eles passaram pelo constrangimento de recuar da decisão de pedir que Sarney se licenciasse do comando da Casa pelo tempo que durassem as investigações sobre os escândalos destampados na instituição. Silenciaram, enquanto Lula reincidia nas suas especiosas declarações em favor do aliado de quem já dissera que não era "uma pessoa comum", o que presumivelmente deveria absolvê-lo.

Mas o flagrante do envolvimento de Sarney no episódio do namorado da neta, exposto na semana passada pelo Estado, abriu uma fratura entre o presidente e os senadores de seu partido. São os respectivos interesses que passaram a se contrapor. Lula, como se sabe, considera Sarney essencial para a CPI da Petrobrás não desandar; para o governo ver aprovados os seus principais projetos neste que é efetivamente o último ano útil do seu mandato, na esfera legislativa; e, sobretudo, para garantir a adesão do PMDB à candidatura Dilma Rousseff em 2010.

É o que também quer a bancada petista, embora nem toda ela atribua ao maranhense o mesmo papel providencial para a parceria PMDB-Dilma. De qualquer forma, o que afeta a sua sintonia com o Planalto são as prioridades eleitorais de parte a parte. Nove dos 12 membros da bancada do PT terão de se entender eles próprios com as urnas no ano que vem - e temem ser identificados como protetores daquele que hoje simboliza para a sociedade o que os costumes políticos brasileiros têm de mais execrável: a descarada apropriação das instituições e dos recursos públicos para ganhos pessoais e familiares.

Nada como a cobrança do eleitor. No fim da semana, um inquieto Aloizio Mercadante, o líder do PT no Senado, emitiu uma nota, em nome da bancada, que não apenas retoma o mote da licença de Sarney, mas sustenta que o Conselho de Ética terá de investigar "a possibilidade de (sua) participação direta" no caso de favorecimento ilícito. "É grave essa nova denúncia", vai mais longe o texto, "porque há indícios concretos da associação do presidente do Senado, José Sarney, em ato secreto de nomeação do namorado de sua neta." Só faltou Mercadante escrever o que um interlocutor ouviu dele - a situação era "absolutamente insustentável".

Ele aparentemente se referia aos arreios que Lula impusera à bancada, com o suporte da cúpula petista. O presidente do partido, Ricardo Berzoini, por exemplo, criticou os companheiros por "fazerem o jogo da oposição". Mas é a sustentação de Sarney que se esfarinha a olhos vistos. Os parlamentares do PT não são os únicos a querer profilática distância do velho soba, de medo da reação do eleitor. Dos 81 senadores, 54, ou seja 2/3 do total, serão candidatos no próximo pleito - e o que muitos deles têm ouvido em suas andanças por suas bases nessas semanas poderá levá-los a pensar duas vezes na conveniência de continuar cerrando fileiras em torno do assediado Sarney.

"A situação dele está muito delicada", constata o senador Renato Casagrande, do PSB. "Quem andou pelas ruas nesse recesso viu isso." Os sarneysistas, como o líder do PMDB e chefe da tropa de choque do correligionário, Renan Calheiros, não têm sequer o conforto de acreditar que pior do que está não poderá ficar. A combinação de novas eventuais descobertas nos subterrâneos do Senado e do que ainda poderá emergir das investigações da Polícia Federal - e agora da Receita - sobre os negócios do clã Sarney poderá precipitar um desastre a qualquer momento.
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