Opinião

Os perigos pós-crise

Editorial do Estadão
O mundo vai ter uma convalescença difícil e perigosa, depois da maior crise financeira desde a 2ª Guerra Mundial. Depois de gastar trilhões de dólares para conter os estragos e evitar uma depressão, os governos do mundo rico estarão atolados em dívidas. Nessa semana, o Tesouro americano anunciou um déficit público recorde de US$ 1,09 trilhão. Esse foi o resultado das contas públicas até junho, mas o ano fiscal só terminará em 30 de setembro e até lá o rombo poderá chegar, segundo a projeção oficial, a US$ 1,84 trilhão. Para o próximo ano fiscal a previsão é mais otimista: o déficit poderá diminuir para US$ 1,26 trilhão, mas o buraco ainda será quase o triplo do contabilizado na temporada de 2008, US$ 454,8 bilhões. A arrumação dessa bagunça financeira vai, certamente, custar caro.

Entre 2009 e 2011, os déficits federais americanos ficarão em média na vizinhança de 9% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo projeção divulgada no mês passado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), depois da revisão anual das condições econômicas dos Estados Unidos. A dívida federal deverá atingir 75% do PIB e, como os prazos de vencimento estão encurtando, as necessidades brutas de financiamento do Tesouro deverão equivaler a 30% da riqueza produzida no país.

Esse dinheiro, é fácil adivinhar, será obtido no mercado internacional e para isso o Tesouro terá de pagar, quase certamente, juros bem maiores que os da fase de prosperidade. Nenhum país ficará livre das consequências desse encarecimento do crédito.

O caso americano é o mais notável apenas pela dimensão da economia dos Estados Unidos, mas todas as potências capitalistas deverão enfrentar dificuldades fiscais, depois dos enormes volumes de dinheiro lançados no mercado para combater a crise. No Reino Unido, o déficit público passou de 2,7% do PIB em 2007 para 7,1% em 2008, deve chegar a 12,9% em 2009 e poderá alcançar 13,25% no próximo ano fiscal, segundo os cálculos do FMI. No Japão, o déficit está projetado em 11,6% do PIB, este ano. Em 2008 chegou a 6,7%, pouco mais que o dobro do registrado em 2007, 3,3%. Quadros parecidos são encontrados quando se examinam as contas das outras grandes economias capitalistas. Na zona do euro, o limite de 3% do PIB para o déficit público, fixado para a convergência fiscal dos países-membros do clube, é hoje uma vaga memória.

É parte da atividade normal do FMI o exame periódico das condições econômicas dos países sócios. As consultas entre os economistas do Fundo e o pessoal dos vários governos são previstas no artigo 4º do Acordo Constitutivo e as conclusões e recomendações são normalmente divulgadas. Nesta temporada, uma recomendação se repete em todo relatório produzido sobre as economias do mundo rico: embora a crise não esteja superada e falte completar algumas tarefas, com destaque para o ajuste do setor financeiro, é prudente pensar desde já numa estratégia de saída. Será preciso desmontar o enorme aparato financeiro de ajuda a bancos, empresas e famílias endividadas. Os governos terão, em alguns casos, de eliminar gradualmente os incentivos. "Com uma dívida pública já elevada, o custo da recessão e os estímulos fiscais devem piorar de forma considerável a perspectiva fiscal no médio prazo", está escrito no relatório sobre a França. O prognóstico se repete no material produzido pelas várias missões.
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