Opinião

Situação-limite

Editorial do Estadão
A situação do senador José Sarney mudou radicalmente de figura - e ele só tem a culpar a si mesmo por isso. Na quinta-feira passada, por meio de uma nota da sua assessoria de imprensa e ainda de viva voz, ele afirmou que não tem "nenhuma responsabilidade administrativa" pela fundação que leva o seu nome, em São Luís, no Maranhão, criada para preservar o acervo do período em que foi presidente da República, de 1985 a 1989. Naquele dia, o Estado tinha revelado que em 2005 a Fundação José Sarney obteve da Petrobrás, nos termos da Lei Rouanet de incentivo à cultura, um patrocínio de R$ 1,3 milhão para digitalizar os documentos ali reunidos. O projeto não foi executado e pelo menos R$ 500 mil foram repassados a empresas fantasmas. Emissoras de rádio e TV da família receberam R$ 30 mil.

Com a nota da assessoria e a declaração - feita em plenário -, Sarney procurou se desvincular do novo escândalo que, diferentemente de todos os demais que rebentaram neste seu terceiro mandato na presidência do Senado, ele não pode compartilhar com nenhum dos seus pares, muito menos transferir para a instituição, como vinha tentando fazer. Desta vez, a crise é exclusivamente dele. Consiste num fato determinado e devastador: Sarney mentiu. A evidência está nos estatutos da fundação, cujos principais artigos este jornal divulgou no sábado. O documento de 7 páginas, no qual o nome do senador aparece 12 vezes, registra que ele é o presidente vitalício da entidade e do seu conselho curador, com poder de veto sobre as suas decisões, cabendo-lhe "assumir as responsabilidades financeiras", além de "orientar e superintender as atividades da fundação", e representá-la.

Nessa qualidade, cobrou do então secretário executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, "agilização na tramitação do projeto", do que dependia o repasse da Petrobrás. Sarney fez mais: depois que, também em 2005, a Assembleia Legislativa do Maranhão aprovou a devolução ao Estado do Convento das Mercês, a construção do século 17 doada para sediar a fundação, ele obrou para que o Senado, à época dirigido pelo notório Renan Calheiros, numa iniciativa sem precedentes, recorresse da decisão ao Supremo Tribunal Federal. Ganhou a causa. A mentira de Sarney não foi um raio em céu azul. Exposto o desvio dos recursos da Petrobrás, a fundação alegou que o projeto bancado pela estatal não previa a digitalização do acervo, que a empresa "exerceu permanente fiscalização, inclusive com visitas presenciais e que as firmas contratadas têm CNPJ e endereços regulares".

Nada disso se sustenta. O projeto prevê explicitamente "implantação do sistema e dos terminais de consulta" e fala em "trabalhos de informatização". A Petrobrás negou a fiscalização, até porque isso é da alçada do Ministério da Cultura. E muitas das firmas que teriam prestado serviços à fundação não existiam nos endereços constantes das notas fiscais. (O Estado apurou ainda que uma firma varejista de artigos de vestuário e acessórios recebeu R$ 12 mil para dar um "curso de capacitação em história da arte" a funcionários da entidade.) Pelas incumbências que os estatutos atribuem ao seu presidente vitalício, ele é o responsável último pelas patentes inverdades com que a fundação tentou tapar o sol com peneira. Eis, portanto, uma situação-limite.
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