Coluna da Segunda-feira

Cinema, Educação e Vida

Rui Grilo
Comecei a lecionar em 1971 e, confrontado com as dificuldade de chegar até o aluno e estabelecer um diálogo, entender a razão da dificuldade de aprendizagem e de atenção, procurei me atualizar me tornando um estudante permanente. Não me conformava com o fato de, em pleno século XX, continuarmos a usar os mesmos recursos: lousa, giz, a garganta e mimeógrafo (a álcool). Essa preocupação me levou ao mestrado, durante o qual estudei e desenvolvi a questão do uso de recursos audiovisuais para o registro da história, como instrumentos de democratização do conhecimento e de participação popular.

Durante uns dez anos fui o responsável pela sala de leitura da escola onde trabalhava, dentro da perspectiva de biblioteca como centro cultural que não se restringe apenas à leitura de livros, mas também à leitura de imagens, de filmes, de músicas... Foi um período muito bom, em que aprendi muito e que tinha o respaldo dos professores da escola pois confiavam no meu trabalho, tanto é que, durante o mestrado não me afastei da escola e desenvolvi a proposta mais diretamente com uma equipe de sete professores de quarta série e que, indiretamente se estendeu a outros professores de diferentes séries e disciplinas.

Sempre fui um apaixonado pelo cinema, vendo nessa arte a possibilidade de, partindo da cultura do aluno, ampliar o seu universo cultural dando-lhe condições de romper com as limitações econômicas (impossibilidade de viajar, de acesso a teatro e a outros bens culturais) e temporais.

Assim, mais do que a mediação com as várias disciplinas e áreas do conhecimento, procurava filmes que, além de divertir, fizessem pontes para um melhor conhecimento de si, do outro e do mundo. De filmes que gerassem reflexões e que despertassem a curiosidade, levando-os ao exercício da expressão oral e escrita e da leitura.

Para nós que fomos acostumados a ler, quase sempre o livro é melhor que o filme criado a partir dele. No entanto, nos curtos espaços entre as atividades, assistir a um filme se torna mais viável que ler um livro pois um filme se vê no curto espaço de duas horas, enquanto a leitura de um livro , dependendo do tamanho, necessitará de um tempo bem mais longo, talvez dias.

Parece que, para os jovens, o tempo necessário para a leitura de um livro é um tempo muito longo, parado, uma situação diferente da frenética rotina diária ao qual está exposto, com a atenção dispersa entre diferentes atividades, grupos e produtos tecnológicos (o celular, o dvd, a internet, os múltiplos canais de tv).

O fato de vermos um filme em grupo dentro dos limites de uma ou duas aulas (atividade facilitada pela produção de excelentes filmes de curta metragem) permite a criação de um universo comum, de um objeto sobre o qual podemos trocar as nossas impressões e valores; permite, enfim, o estabelecimento do diálogo, fazendo a mediação entre esses dois mundos – dos adultos e dos jovens e crianças.

Comentando o livro “Clube do Cinema” de David Gilmour, em que o pai, cansado da resistência do filho às atividades escolares, propõe retirá-lo da escola com a condição de verem três filmes semanais e trocarem impressões sobre os mesmos, o conhecido psicanalista Contardo Calligaris conclui que o jovem precisa conquistar o desejo de viver. Não tem paciência para aprender a viver no futuro. E viver a ficção é a melhor maneira de aproximar o presente do futuro. É aprender o futuro vivendo o presente. E o cinema , para ele, é o meio mais fácil de acesso à ficção e à vida.
Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

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