Petrobras na berlinda

Fontes murmurantes

“Há uma quebra de contrato ao divulgar as informações de que os jornalistas dispõem, não raramente peças de quebra-cabeça ainda em formação”. Igor Gielow (Folha de S. Paulo, 9/6/2009)


Marcelo Mirisola*
Basicamente essa é a queixa mais light do pessoal que – antes da internet – mandava, desmandava, tripudiava, destruía, massacrava, corrompia, isolava... censurava e editava as informações conforme suas conveniências. Só sei de uma coisa. O blogue da Petrobras (http://petrobrasfatosedados.wordpress.com) inaugurou uma nova era na informação (ou desinformação, a conferir). A partir de agora, a Fonte não se obriga ao sigilo. Ou seja, a Fonte vai murmurar: o blogue publicará as perguntas e as respostas relativas à empresa na íntegra.

Uma coisa vos digo, caros leitores: independentemente dos interesses disfarçados e de eventuais CPIs pairando no ar pesado de Brasília, temos que comemorar. Não sei como ninguém pensou nisso antes. A iniciativa devia ser estendida. Eu mesmo dei um monte de entrevistas que foram “editadas” por canalhas que se diziam jornalistas. Mudaram completamente o sentido do que eu disse, usaram e abusaram da minha confiança. Voltando.

A guerra entre a Petrobras e a chamada Imprensa Livre e Democrática, está apenas no começo. E eu não estou me aguentando de tanto rir, é muito divertido. É engraçado acompanhar os chiliques do povinho que sempre mandou e desmandou, tripudiou, destruiu, massacrou, corrompeu, isolou, censurou e “editou”... pimenta no rabo dos outros não ardia, até agora. A coisa está mudando de figura. Eita! Como é bom ver essa gente ilustrada acima do bem e do mal, esperneando; é muito engraçado acompanhá-los nos estertores, em vias de extinção, a gritar por transparência, ética e sei lá mais o quê.

Que contratos foram quebrados, caras pálidas? Os contratos leoninos que os senhores estabeleceram em seus manuais de redação? Desde quando a FONTE tem que ser Fiel ao jornalista? Que eu saiba, a regrinha – que vocês mesmo estabeleceram, repito – diz o contrário. A FONTE não é empregadinha de vocês, a FONTE não tem os mesmos interesses de vocês, a FONTE – agora – não será intimidada: a partir de agora, vai ser mais difícil manipular, tripudiar, destruir, isolar, massacrar, corromper, editar etc etc. O joguinho está começando a inverter, e ninguém mais terá a primazia da verdade em primeira mão, ou melhor, a verdade e a mentira nunca foram tão parecidas e tão escrotas como agora. Porque antes elas eram escrotas mais tinham dono, agora não.

No meio desse pega-pra-capar, desse rebuliço – isso tudo é muito divertido – o jornal O Globo (10/6) – vai atrás da chancela acadêmica, aquela que sempre deu um verniz para a suposta seriedade da auto-proclamada Imprensa Livre e Democrática, e pergunta ( evidentemente já incluindo a resposta na indagação) ao Professor de Ética da Unicamp: “O que se pode fazer para garantir o direito autoral da reportagem?”

Roberto Romano, professor de ética. Vejam só a resposta do Professor de Ética da Unicamp: “O jornal deve publicar a matéria e deixar que eles façam o serviço deles sem dar ampliação ao blog deles. É uma questão muito simples de preservação do autorrespeito profissional de vocês. Vocês devem procurar ouvi-los, colocar na reportagem aquilo que a consciência de vocês recomenda. E eles que se virem com a campanha suja que estão fazendo. Se os jornalistas entram nessa linha da polêmica, legitimam o lado deles. Não existe paridade entre jornalistas, que têm responsabilidade pública, e uma propaganda intimidatória”.

Vou comentar (confesso que quase caí da cadeira de tanto rir). Imagino que Berlusconi também deva ter um professor de Ética que o aconselhe em momentos de crise. O Picachu da Coréia do Norte também deve ter um desses por perto. Começa pelo tom do “professor de ética”, já entregando o lado a que pertence: “eles” de um lado e nós do outro. É bom fazer essa diferença para estabelecer uma confiança, afinal “ética” deve servir – também – para isso, para separar as coisas. Quem me paga e quem me serve, por exemplo. O professor Romano, além de professor de ética, deve ser um estrategista, notem como ele valoriza “o serviço deles” e imediatamente aconselha o jornal a não dar “ampliação” à versão do concorrente, ou seja, “o blog deles”. Em seguida, fala em preservação, quer dizer que algo precisa ser cuidado ou já está em vias de desmoronamento: no caso o autorrespeito profissional dos jornais que foi posto em xeque pelo blog da Petrobrás. Aí vem a pérola: “Vocês devem procurar ouvi-los, colocar na reportagem aquilo que a consciência de vocês recomenda”. Humm. Vocês devem procurar ouvi-los? Isso faz supor que “ouvir” necessariamente não é prática corrente, porque quem deve – em tese – não tem obrigação de. Apenas “deve”.

Não acredito! Vou ao jornal conferir novamente. Foi isso mesmo. Tenho que repetir! Eis o brilhante raciocínio ético do professor da Unicamp, oráculo do jornal O Globo. Vejam só o que ele disse: “colocar na reportagem aquilo que a consciência de vocês recomenda”. E eu fico aqui a imaginar as recomendações da consciência de um Mengele no campo de extermínio de Bikernau, porque afinal de contas, todos nós, até os professores de éticas da Unicamp, temos “consciência”. E no caso dessa entrevista brilhante, fica fácil deduzir o que recomenda a consciência dos jornalistas em desespero, imagino que provavelmente os mesmos procedimentos do professor de ética da Unicamp: “eles que se virem com a campanha suja que estão fazendo”.... E? O que se presume? Nós que continuemos a fazer a nossa campanha sujo do lado de cá. Ou será que eu estou “editando” o pensamento brilhante do professor Romano?

No final, porque não sou jornalista e nem trabalho para a Petrobras, tenho que concordar em parte com o Professor de Ética da Unicamp. Não existe paridade: só existe mesmo intimidação. A diferença é que a intimidação, agora, existe de ambos os lados. Viva a internet!

*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

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