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O Irã nos próximos dias

Pedro Doria (original aqui)
Vamos deixar de lado a questão de quem está certo ou quem está errado – ficou irrelevante. A dúvida é: o que está acontecendo agora? O que acontecerá no futuro próximo?

O aiatolá Ali Khamenei designou ao Conselho dos Guardiães que averiguasse quaisquer irregularidades eleitorais. O Conselho já informou que não anulará as eleições e se inclina a fazer apenas uma recontagem parcial dos votos. Dos três grandes órgãos consultivos que têm mais poder do que presidente e parlamento, é o único não comandado pelo aiatolá Akbar Rafsanjani.

E é justamente por isso que Khamenei se sentiu à vontade para pedir a averiguação.

O fato de que as ruas estejam cheias não é irrelevante. O regime quer manter seu comando.
Agüentar protestos com centenas de milhares por um fim de semana, por quatro dias, é possível. Por uma semana? Por duas? Em algum momento, aí, haverá uma ruptura e, evidentemente, ninguém sabe que momento é este. Ahmadinejad tentou dar uma mostra de força no domingo. A resposta da oposição segunda-feira, e provavelmente hoje, foi algumas escalas maior. Mas por quanto tempo o povo continuará indo às ruas?

Se a presença da população nas ruas é importante, o que realmente decide é a discussão nos bastidores do poder. Onde está Akbar Rafsanjani? Sim, Mousavi, Khamenei e Karroubi falaram à população, ontem. Mas, assim como Ahmadinejad, eles não têm real poder de decisão.

Rafsanjani está em Qom, a cidade-seminário. É onde ficam a maioria dos grão-aiatolás, o alto-cardialato. É com eles que ele vem conversando desde desde o sábado. No final do ano passado, Rafsanjani foi reeleito com ampla vantagem por esta gente do altíssimo clero para presidir a Assembléia dos Especialistas. Se há um órgão que pode interferir nas decisões do líder supremo Khamenei, é esta assembléia. Pode rever suas decisões. Pode até destituí-lo.

Pode. Mas nunca fez nada nem parecido.

O racha entre conservadores e reformistas é um só. Os conservadores, por quem Khamenei tem simpatia, consideram que é preciso enrijecer na conduta religiosa. Os reformistas propõem o modelo chinês: liberdades individuais, crescimento econômico, em troca o povo deixa os aiatolás com o poder político.

Dois terços da população iraniana tem menos de 30 anos. A idade média da população é de 26 anos. A maioria tem educação universitária e não viveu os tempos do xá. Este Irã do interior que veste burka era amplo nos anos 1970, quando estourou a Revolução Islâmica. Duas das consequências do regime: os jovens daquela época, da geração de Ahmadinejad, morreram quase todos na Guerra Irã-Iraque. Os jovens dos anos 90 e 00 têm diploma nas mãos – e são urbanos.

Dentre os conservadores, já há quem diga haver o dedo de Israel por ali na confusão. E que ninguém tenha dúvidas: estão doidos para ouvir Barack Obama condenando a fraude. É tudo que querem ouvir para logo acusar: são os EUA manipulando. Nessas horas, nada como ter um inimigo externo. Só que o inimigo externo na Casa Branca vem se recusando a atuar conforme o script que se repete por cacoete há tantas décadas. Não por falta de pressão dos conservadores dos EUA, evidentemente. Mas eles andam sem voz.

Hoje, as centenas de milhares que vão às ruas levam cartazes de Khomeini e querem ouvir Mousavi. Enquanto Rafsanjani continua suas conversas intermináveis, em Qom. E amanhã? E semana que vem? As multidões terão ainda paciência de continuar nas ruas às centenas de milhares? Talvez. Quem sabe? As férias de verão nas universidades estão começando. Os estudantes terão tempo. Se Mousavi um dia após o outro promete que coisas estão sendo feitas, mas nada ocorre, continuarão a ouvi-lo?

A aposta de Ahmadinejad (e de Khamenei) é que a turba vai cansar. É certamente possível. A de Mousavi (e Rafsanjani) é de que vão continuar nas ruas e carregando Khomeini. Igualmente possível. Mas se nada mudar e continuarem nas ruas, sabe-se lá. As pessoas podem começar a ter idéias. Difícil? Muito difícil. Impossível, não.

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