Em Pauta

Jornais em crise? Ande de avião, Fernando Canzian

Fernando Canzian (*) (Fonte:Folha OnLine) (Comunique-se)
Na semana passada, o Comitê Nacional de Transportes dos EUA realizou audiência sobre a queda de um avião em 12 de fevereiro passado em Buffalo (NY). A tragédia matou 49 pessoas a bordo e mais uma em terra.


Em questão de horas, dois dos melhores jornais norte-americanos, o "The New York Times" e o "The Wall Street Journal", trouxeram à tona histórias sinistras sobre como as empresas aéreas no país deceparam custos. A ponto de comprometer a segurança dos que voam muito em um país continental como os EUA.

A copiloto do avião que se espatifou em Buffalo havia passado a noite inteira viajando em uma poltrona comum da Costa Oeste dos EUA para Newark, ao lado de Nova York (sua base). Ao chegar, assumiu pela manhã a segunda posição de comando no voo.

Já o piloto, investigou o "WSJ", havia omitido duas vezes de sua ficha de contratação o fato de ter falhado em voos simulados em casos de emergência. Detalhe: as falhas ocorreram em situação idêntica à que provocou a queda do avião.

Um dia depois, o "NYT" trouxe outros casos. Outro piloto regional comprou um carro velho, que quase não anda, para deixar estacionado na garagem de sua "base" de voos, a centenas de quilômetros de sua cama e família, do outro lado do país.

Ele usa o carro para tirar cochilos. Assim como vários outros que dividem quartos de US$ 200/mês de famílias próximas a aeroportos para ter um "crash pad" (um lugar macio para cair), onde podem descansar por algumas horas.

Uma tabelinha simples e didática na capa do "NYT" mostrou que um capitão com mais de 40 anos de idade e com dez anos ou mais de experiência tem salário médio de US$ 5,8 mil/mês sem qualquer benefício. Seu copiloto, US$ 2,7 mil. Nos EUA, são remunerações chocantes para o tipo de função.

Muitos desses pilotos, ficamos sabendo pelos jornais, têm em média só 8h30min por dia para chegar a um hotel, trocar de roupa, dormir, levantar e estar prontos para um novo voo.

Nos EUA, há uma discussão enorme sobre a chamada "crise dos jornais", traduzida em queda de circulação, receita e dívidas. Há um mês, o "NYT", por exemplo, entrou em acordo com seus jornalistas e cortou salários em 5% neste ano para evitar demissões. Ameaçou ainda fechar o "Boston Globe", do qual é dono, se um acordo parecido não fosse aceito.

Além de muitos problemas exclusivos de má gestão nos jornais americanos, fala-se também em necessidade de "reinvenção". Isso seria necessário por causa da massificação da internet, com seus milhões de blogs e opiniões para todos os gostos.

Opinião, todo mundo tem. Mas é preciso 1.300 jornalistas para se fazer um produto com a qualidade do "NYT" e levantar histórias como as acima enquanto se acompanha também ao vivo guerras no Iraque e no Afeganistão, o fim da guerra civil no Sri Lanka e as enchentes no Maranhão.

Devido à importância que se dá para o setor nos EUA, o Congresso norte-americano começa a se debruçar mais uma vez sobre o tema, a exemplo do que ocorreu em uma crise de menores proporções na década de 1970.

A partir dali, o chamado Newspaper Preservation Act permite que dois ou mais jornais competindo numa mesma região formem uma espécie de cartel, com preços de assinaturas e anúncios idênticos --desde que suas redações continuem independentes. A ideia é evitar o canibalismo entre as duas empresas já em crise.

Enquanto os parlamentares discutem outras medidas para preservar o setor, os próprios jornais vão repensando ações passadas. O "NYT", por exemplo, já considera voltar a cobrar pelo seu conteúdo disponível na internet (a exemplo do que faz o "WSJ", com quase 1 milhão de pagantes).

Alguns jornais também se reuniram para criar equipamentos portáteis que permitem a leitura online de seus conteúdos em uma tela maior do que a de um computador, o que facilitaria também a venda de anúncios para esse tipo de mídia.

Mas, embora o mercado de jornais impressos nos EUA venha encolhendo, ele é ainda gigantesco. Apenas os três maiores, "USA Today", "NYT" e "WSJ", têm circulação conjunta de mais de 5 milhões de exemplares. Além disso, a procura por seu conteúdo na internet aumenta rapidamente.

No Brasil, se somarmos todos os grandes jornais nacionais e regionais não chegaremos à metade da circulação dos três maiores norte-americanos. Além disso, ao contrário dos países avançados, a circulação dos jornais brasileiros cresceu nos últimos anos.

E tem ainda uma larga avenida pela frente à medida em que aumentar a renda da população.
(*) Fernando Canzian, 42, é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006.

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