Contos ubatubenses

À espera

Lourdes Moreira

Acordou cedo. Pensou se devia ou não se levantar àquela hora. Espreguiçou-se languidamente como o fisioterapeuta havia recomendado. Ouviu leves ruídos de seus ossos que estalaram gostosamente. Abriu a janela e olhou a mata tão próxima de seu quarto. Ouviu os cantos matinais dos pássaros que tanto já a havia feito feliz. Desceu as escadas com passos lentos e pensou que teria que colocar apoio na mesma pois temia ter vertigem e desabar escada abaixo. Seriam cordas que colocaria ou madeira para combinar com a sacada frente à sua casa? Ficou em dúvida... ora... pensaria nisso noutro momento...

Desceu; colocou água para o seu trivial café da manhã sempre tão solitário. Procurou na memória de imagens difusas momentos em que não estivera só à mesa em suas manhãs. Colocou o coador no velho apoio, colocou-o na já envelhecida garrafa térmica e, para não ficar à toa enquanto a água fervesse, foi lá fora olhar a mata. Um pássaro diferente murmurava ao mundo seu bom-dia.

Era de um verde entremeado de preto. Este não havia ainda visto ou, então, não o notara em suas manhãs?

Correu para o fogão. A água já espumava na caneca. Coou seu café, adoçou-o com sacarina. Sentou-se à mesa. Pensou em ler algo enquanto sorvia lentamente seu café. Preferiu que sua mente divagasse... Já havia lido o suficiente.

Levantou-se procurando o que fazer. Foi à casa de uma amiga adoentada. Tentou fazê-la sorrir pensando que nem ela mesma já o conseguia. Foi a uma floricultura e comprou uma begônia toda florida. Colocou-a num canto da sala. Num lugar que a pudesse admirar. Foi novamente à cozinha pois já sentia fome. Seu corpo necessitava de alimento. Faria um filé de peixe ou de frango? Na dúvida tirou os dois do congelador. Pacotes leves que seu açougueiro e peixeiro haviam pesado.

Talvez com pesar por tão pouco peso?

A manhã já estava quase se esvaindo. Foi à geladeira e pegou os potes com temperos que os deixava preparados para quando deles necessitasse. Olhou para a cebola... para o alho... para a cebolinha e a salsinha: seus temperos preferidos. Achou-os murchos mas não estava com vontade de picar outros. Usou os assim mesmo, pois se decidira pelo peixe. Além dos temperos já preparados, só precisava de um pouco de limão. Pegou um que estava quase amarelecido, mas era seu preferido: limão cravo. Cortou-o ao meio. Temperou o peixe. Queria comê-lo bem fritinho e passado em bastante fubá como o fazia na infância, mas já não o podia: seus triglicérides estavam em alta; tinha que se cuidar.

Guarneceu seu peixe com batatas, cenouras e muito...muito cheiro verde que adorava. Lembrou as instruções da nutricionista: três cores à mesa são sinônimas de saúde. Levou-o ao forno nos 180 graus. Lavou uma xícara de arroz que nem era a medida certa para seu apetite. Sobraria mas, menos que isso, sua panela não suportaria o calor e o queimaria. Preparou uma salada de alface, chicória e tomate: poucas folhas e apenas um tomate.

Colocou uma toalha já manchada cobrindo a mesa. Sentou-se em sua cadeira predileta.

Divagou sobre o passado e relembrou os domingos em que sua casa exalava a cheiro de frango assado, pernil, lombo e maionese e, depois do almoço, belos pudins e bolos regados a muita calda de chocolate. Já não podia se dar ao luxo e comê-los. Hoje só uma sobremesa dietética. Sentiu no ar que seu peixe já chegara ao ponto. Levantou-se, desligou o forno e, lentamente, retirou-o. Pôs a mesa. Apenas um prato, um garfo e uma faca. Pensou em colocar mais um talher.Talvez viessem visitá-la sem avisar. Desistiu. Há anos seus parentes próximos já não se aproximavam. Tentou desculpá-los imaginando que o sol dos últimos dias os havia levado a alguma praia. No fundo sabia que já não se preocupavam com ela em vida mas sim apenas quando aqui já não estivesse.

Ficariam com a velha casa afinal, o único filho que tivera já não representava perigo a seus parentes pois partira prematuramente. Lágrimas vieram-lhe aos olhos mas...logo silenciaram.

Caminhou novamente até a cadeira. Serviu-se de cada alimento que preparara. Pareciam insossos. Os sabores haviam se dissipado ao longo dos anos. Procurou na memória o sabor que mais gostara: pimenta curtida em muito azeite, vinagre e alecrim. Era assim que sua mãe as preparava.


Almoçou mastigando cada alimento com tempo de folga. O que faria depois? Tiraria uma sesta e esperaria o anoitecer. Assim o fez.


Após a sesta, assistiu aos programas dominicais. Todos obsoletos e repetitivos. Neles via graça sem graça. Não conseguia achar aparato para seu desagrado. Mexeu em suas violetas que descansavam do sol ao anoitecer por sobre o parapeito da janela da sala. Retirou cada folha já envelhecida. As regou cuidadosamente preocupada para que a água não tocasse em suas folhas.

A noite chegou. Preparou uma sopa rápida, dessas de envelope onde as instruções, frente aos seus olhos já cansados pela idade, lhe pareciam difusas. Após pronta, pareceu-lhe sem sabor. Talvez tivesse errado na mistura do pó com a água fervida. Isso não importava tanto quanto sua necessidade de armazenar energia. Encheu uma terrina e, pensando nas canjas e brodos que em tempos idos sorvia, sorveu o caldo desprazeirosamente.


Já era hora de recolher-se. Desligou o televisor que havia deixado ligado para ter companhia. Subiu as escadas novamente pensando que nela teria que colocar apoio. Seria de madeira para combinar com a sacada? Tinha tempo. Pensaria nisso outro dia.
Lourdes Moreira
Profª da Rede Municipal e Estadual de Ubatuba

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