Opinião

Liminar contra a pilantropia

Editorial do Estadão
É muito oportuna e republicana (para usar expressão da moda) a decisão liminar proferida pela juíza Isa Tânia Cantão, da 13ª Vara Federal de Brasília, suspendendo a anistia concedida a mais de 7 mil entidades filantrópicas pela Medida Provisória 446 - a MP das Filantrópicas, de novembro de 2008. Todas as entidades beneficiadas com a generalizada isenção tributária concedida por aquela MP - entre elas as que estão sob investigação e as que aguardam renovação de certificados - terão o valor das isenções obtidas durante a vigência da medida inscrito na dívida ativa do INSS e cobrado pela Receita Federal. Essa decisão atende a pedido do Ministério Público Federal que, em dezembro do ano passado, contestou a legalidade da MP por meio de ação civil pública.

Como se recorda, a polêmica MP das Filantrópicas, que muitos chamam de "MP da pilantropia", beneficiou organizações não-governamentais (ONGs) sob investigação em razão de suspeitas de irregularidades. Dois meses depois de editada a MP, a União concedeu a renovação de "certificados filantrópicos" a 4,1 mil instituições, e quase a metade delas estava sob investigação do Ministério Público, da Polícia Federal e de auditorias fiscais. A polêmica estava na aplicação do artigo 37 da MP, pelo qual os pedidos de certificação protocolados antes da edição da medida (7 de novembro), mas que ainda não haviam sido submetidos ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), seriam assim mesmo deferidos. Tratava-se, pois, de uma anistia concedida a entidades suspeitas e com processos ainda não concluídos.

Essa foi a MP que, no dia 19 de novembro do ano passado, o então presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) devolveu ao Poder Executivo, porque ela não se enquadrava nos requisitos de urgência e relevância que a Constituição exige para as medidas provisórias. É claro que a formalidade constitucional era apenas um pretexto para rechaçar uma proposta gritantemente imoral - e isso a juíza de Brasília detectou bem em seu despacho liminar: "A rejeição da MP, sob o argumento de ausência de requisitos fixados na Constituição, não disfarça a repulsa a um ato que se configura lesivo aos cofres públicos, o que o torna ainda mais censurável por ocorrer neste momento, em que milhares de brasileiros são penalizados com o desemprego e a desesperança." E a magistrada critica o governo que deu um "cheque em branco" às entidades, ao autorizar, com a MP, a renovação dos certificados sem a devida avaliação do CNAS.

As ONGs têm proliferado nos últimos anos, na mesma proporção em que boa parte delas se mostra de alguma forma atrelada aos governos, deles recebendo subsídios e isenções. E, se algumas se dispõem a fiscalizar e controlar atos da gestão pública, como uma forma de participação dos cidadãos na condução da coisa pública, não se dá a recíproca - vale dizer, não são elas, que recebem dinheiro público, fiscalizadas, nem mesmo com o mínimo de rigor que exigiria sua inserção no espaço da coisa pública. Recebem benesses e generosas verbas do poder público - e já foram tantas as denúncias de irregularidades contra ONGs que no ano passado se instalou no Congresso uma CPI para investigá-las.
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