Opinião

As mudanças no vestibular

Editorial do Estadão
Com um olho no calendário escolar e outro no calendário eleitoral, uma vez que é um dos nomes cogitados pelo Partido dos Trabalhadores para disputar um cargo majoritário nas eleições de 2010, o ministro Fernando Haddad está tentando implantar, a toque de caixa, o projeto de unificação dos vestibulares das universidades federais, anunciado há duas semanas, quando nem mesmo as suas diretrizes gerais estavam definidas. Alguns reitores afirmam que, por seu caráter inovador, o projeto tem de ser implementado com cuidado, no prazo mínimo de dois a três anos, para evitar problemas legais e administrativos.

Atualmente, cada universidade prepara seu próprio exame e as provas são realizadas em datas diferentes. A proposta do ministro, cujos detalhes só agora estão sendo divulgados, é reformular o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e fazer uma prova única, com validade nacional. A ideia inicial era que os alunos aprovados tivessem liberdade de escolher o curso e a universidade, conforme a pontuação obtida. Mas, para reduzir a resistência dos reitores, pois o nível médio de exigências varia de universidade para universidade, o MEC está propondo que os estudantes só possam utilizar os resultados da prova em cinco diferentes cursos e em cinco instituições federais de ensino superior.

Além disso, para evitar frustrações entre os vestibulandos das regiões menos desenvolvidas que almejam estudar nas universidades federais das regiões mais desenvolvidas, o MEC quer que os estudantes só se inscrevam para o vestibular com o resultado do Enem nas mãos. "Com isso, o estudante pode ter uma ideia melhor de suas possibilidades de aprovação", diz o ministro. Segundo ele, a inscrição será feita pela internet e o sistema ficará aberto por algum tempo, permitindo aos candidatos reavaliar suas reais condições para disputar o curso escolhido e mudar suas opções, caso concluam que não terão oportunidade de ser aprovados.

Como o vestibular unificado das universidades federais permitirá que os estudantes cursem a graduação fora de seus Estados de origem, o MEC se compromete a ampliar os recursos para assistência estudantil, que serão distribuídos por meio de bolsas de estudos, e para a construção de restaurantes universitários e alojamentos. Neste ano, o órgão deve repassar R$ 200 milhões às universidades federais para assistência estudantil. O ministro prometeu dobrar esse valor em 2010.

O objetivo dessa medida é evitar a evasão escolar e o trancamento de matrícula, assegurando aos estudantes de baixa renda condições de se manterem durante o curso. Alguns dirigentes universitários, contudo, criticam a ênfase dada por Haddad à possibilidade de estudantes das regiões menos desenvolvidas fazerem a graduação nas regiões mais desenvolvidas. "A mobilidade pretendida pelo MEC vai ocorrer na mão inversa. Não vai ser o estudante do Norte e Nordeste que se mudará para o Sul e Sudeste. As classes mais abastadas têm maior rendimento no Enem e vão roubar as vagas nos outros Estados. Em vez de democratizar o acesso, vai elitizá-lo", diz o coordenador do vestibular da Universidade Federal Fluminense, Nelliton Ventura.

Especialistas também receiam que, como as notas médias do Enem são baixas, a proposta do MEC leve ao rebaixamento dos níveis de exigência do vestibular. "Não é impossível que boas universidades federais sejam afetadas negativamente pela nivelação por baixo que o Enem representa. Mesmo que se fale em ampliação do elenco de disciplinas e questões, há sempre o risco de que uma avaliação genérica não cubra as demandas de conteúdo das universidades mais exigentes. Algumas se defenderão criando mecanismos internos de peneiramento, o que na prática reinstaura o vestibular e proclama sua necessidade", afirmou o professor da USP José de Souza Martins, em artigo publicado no Estado. Ele também teme o surgimento de uma nova "indústria" - a de cursinhos supletivos criados para "turbinar" os alunos da escola média para os exames do Enem.
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