Opinião

Lei de Imprensa

Editorial do Estadão
Ao iniciar o julgamento de mérito da ação proposta pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) contra a Lei de Imprensa, sob a justificativa de que ela cerceia a liberdade dos órgãos de comunicação e é incompatível com o regime democrático, o relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, defendeu a revogação sumária de todos seus 77 artigos. Em março de 2008, ele já havia concedido liminar suspendendo a vigência de 20 artigos.

Além de defender a revogação da Lei de Imprensa, Britto propôs que os juízes passem a aplicar as normas do Código Penal ao julgar crimes de imprensa. Seu parecer foi endossado pelo primeiro ministro a votar, Eros Grau. O julgamento acabou sendo suspenso pelo presidente do STF, Gilmar Mendes, e será retomado na primeira reunião plenária da Corte depois da Semana Santa.

Em seu parecer, o ministro Ayres Britto fez uma candente defesa da liberdade de expressão e do direito de opinião. "Em matéria de imprensa, não há espaço para meio-termo ou para contemporização. Ou ela é inteiramente livre ou dela já não se pode cogitar senão como simples jogo de aparência jurídica. A imprensa é o espaço institucional que melhor se disponibiliza para o uso articulado do pensamento e do sentimento humano como fatores de defesa e promoção do indivíduo, tanto quanto da organização do Estado e da sociedade", disse ele.

Britto afirmou ainda que, por ter sido concebida num período autoritário, a Lei de Imprensa reserva aos jornalistas um tratamento diferenciado e mais rigoroso, quando comparado ao que as leis cíveis e criminais em vigor preveem para os demais cidadãos. No regime democrático, afirmou Britto, "a lei penal não pode distinguir entre pessoas comuns e jornalistas para desfavorecer penalmente estes últimos".

Embora nos debates da primeira sessão de julgamento os ministros do STF tenham endossado a defesa da liberdade de expressão e do direito de crítica feita pelo relator, a proposta de revogação total da Lei de Imprensa deve enfrentar resistências. Em apartes, pelo menos dois ministros - Marco Aurélio de Mello e Gilmar Mendes - já deram a entender que votarão contra. Eles temem que a revogação da Lei de Imprensa acabe provocando um perigoso vácuo jurídico, uma vez que o Código Penal é omisso em determinados aspectos dos crimes de imprensa, chegando a possibilitar que, por meio de sentenças judiciais, se exerça censura prévia, o que é expressamente proibido pela Constituição.

É esse o caso, por exemplo, do direito de resposta. "Não se pode entregar a qualquer juiz ou tribunal a construção jurisprudencial do que é direito de resposta", diz o presidente do STF. O mesmo temor também foi expresso pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ), pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e por entidades da sociedade civil. Todos se manifestaram favoráveis a uma revogação apenas parcial da Lei de Imprensa, com a supressão de resquícios antidemocráticos e dos artigos que são flagrantemente inconstitucionais. Os demais, sobre os quais já há entendimento pacífico nos tribunais, permaneceriam em vigor.

O próprio relator, cuja proposta só recebeu apoio da Associação Brasileira de Imprensa, reconheceu a gravidade do problema. Ele afirmou que, se a proposta de revogação total da Lei de Imprensa for aprovada pelo STF, o Congresso terá de legislar imediatamente sobre a questão, especialmente no que se refere ao direito de resposta e aos pedidos de indenização, que, sem regulamentação adequada, podem levar jornais e revistas ao fechamento.

Tudo isso justifica plenamente a existência de uma lei de imprensa que, refletindo os mandamentos constitucionais em vigor no Estado Democrático de Direito, na prática preserve o livre exercício do direito de expressão. O problema é que a votação de uma nova Lei de Imprensa deve demorar. Como em 2010 o Congresso funcionará em regime de meio expediente, pois os parlamentares estarão em campanha para se reeleger, os trabalhos legislativos só serão retomados em 2011. Espera-se, portanto, que, quando retomar o julgamento do processo, o Supremo proceda com redobrada prudência.
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