Crônica

Panificadora e Tabacaria Nossa Senhora de Fátima

Marcelo Mirisola*
Uma vez acendi uma porcaria de um cigarro, e fui ao espelho ver o resultado. Não rolou. Me senti um pateta soltando fumacinha. Não combino com cigarro. Mas tem uma coisa que combina ainda menos comigo: o Estado se metendo na minha vida. Isso eu não tolero, além de fazer mal para saúde, é devastador para o espírito... até para um espírito de porco feito o meu.

Diante dessa lei cretina que quer se meter na vida das pessoas, só tenho uma coisa a fazer: começar a fumar. Às vésperas de completar 43 anos. Trata-se de uma decisão política. Quero que se dane: só pra zoar, vou me permitir as primeiras baforadas, e espero sinceramente me viciar em altos teores de nicotina e alcatrão, quanto mais toxinas e ameaças de cânceres, mutilação e impotência , maior a liberdade que pretendo advogar. Em tempo: “advogar” quer dizer “trazer para si”. Ou seja, tragar. Vou começar pelos charutos.

E, aqui, aproveito para fazer uma sugestão a donos de bares, restaurantes e similares e não similares: acrescente o nome “Tabacaria” ao seu negócio, e pronto. A lei burra permite tabacarias. Imaginem só. Panificadora e Tabacaria Nossa Senhora de Fátima. Ou Casa de Colchões e Tabacaria Sonho dos Reis, e assim por diante. Se bobear vai ter até Farmácia, Bar e Tabacaria Cruz Azul.

A venda de cigarros aumentará deliciosamente, apesar das altas taxas cobradas pelo governo. Essa lei, em vez de jogar o fumante na clandestinidade (como alguns acreditam) vai ter o efeito contrário. Os fumantes voltarão a ser os heróis da resistência. Os verdadeiros outsiders. Imaginem só. Vamps vestindo luvas pretas de seda e caprichando no batom que manchará a guimba do cigarro fatal. Smoking Fetish. Os caubóis do mundo de Marlboro encilhando seus puro-sangues, prontos para invadir as casas de sucos naturais e as academias de ginástica. Ah, meu Deus! Quanta asnice!

E nunca é demais lembrar que não só o cigarro mata, mas água mineral também – em excesso pode causar afogamento. Seguindo a lógica burra dessa lei, deveríamos proibir a circulação de automóveis e os espetos corridos. Tudo o que é bom engorda e é prejudicial a saúde e pode levar ao óbito, inclusive viver – já disseram... - não é aconselhável a quem quer levar uma vida saudável – as pessoas costumam morrer disso.

Vamos fechar os estádios de futebol também - um perigo para os cardíacos. E, no embalo, fecharíamos os ouvidos e a boca e, principalmente, proibiríamos o cérebro de pensar: porque pensar também mata e é um veneno na vida saudável do otário que é obrigado a ir às urnas de quatro em quatro anos para votar nesses palhaços que, no lugar de legislar em função do bem público, apenas se preocupam em fazer leis esdrúxulas e meter a mão no dinheiro da gente. Fumo neles!

*Considerado uma das grandes revelações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

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