Televisão

Comedores de lixo

João Pereira Coutinho (Clique aqui e leia o original)
Que dizer da história de Jade Goody? Caso não saibam, Jade Goody foi concorrente do Big Brother britânico, notabilizando-se por sua linguagem e comportamento vulgares. A Grã-Bretanha rendeu-se a ela e encontrou em Goody um novo símbolo da "informalidade" proletária que faz parte da nossa modernidade.


Acontece que Jade adoeceu gravemente (com câncer). A notícia fatal, aliás, foi comunicada à própria em pleno programa televisivo, fazendo disparar as audiências. Mas o melhor ainda estava para vir: se Jade tinha câncer terminal, o melhor era morrer em frente às câmeras, proeza que Jade tem cumprido com profissionalismo de Hollywood. Das operações cirúrgicas às sessões de quimioterapia, sem esquecer o seu casamento-relâmpago, Jade aproveita as últimas semanas de vida para mostrar ao mundo o seu lento caminho para o fim. Não é de excluir que a tv filme o seu último suspiro. Os produtores garantem que não. Mas se as audiências exigem tudo, por que raio não devem ver tudo?

Essa é a questão. O caso de Jade tem alimentado debates inflamados na Grã-Bretanha. A discussão centra-se, invariavelmente, na falta de ética da televisão contemporânea, que se aproveita de uma mulher moribunda para fazer negócio. Vozes moralistas condenam os produtores, exigindo rápida intervenção do governo. E Jade Goody, quando confrontada com a pornografia do seu ato, afirma simplesmente que está a pensar nos filhos: duas crianças que ficarão sem mãe em breve e que, graças à prostituição sentimental de Jade, herdarão 1,7 milhões de euros.

Pessoalmente, nada tenho a dizer: sobre Jade Goody e muito menos sobre a tv que filma a sua decadência física. Mas estranho que, no meio da gritaria, ninguém tenha dito o básico. E o básico não está na moribunda, muito menos na tv que filma a moribunda. O básico está numa população anônima de milhões de britânicos que permitem a existência desse caso, consumindo-o com voracidade mórbida. O fenômeno Jade Goody, e a repugnante vontade de o filmar até ao limite, não existiria se as audiências não existissem.

Uma verdade banal? Longe disso. Uma verdade politicamente incorreta: no mundo radicalmente igualitário em que vivemos, não é de bom tom relembrar que as massas nem sempre escolhem com sabedoria e pudor. As massas são muitas vezes analfabetas e repugnantes. O pensamento politicamente correto prefere antes demonizar os produtores (no fundo, os "capitalistas") que exploram a pobre ingenuidade do povo.

Um erro. E uma grosseira piada. Se existe doença neste caso, ela não está em Jade Goody ou no circo televisivo que a filma. Está nos comedores de lixo: gente que liga a tv para se empanturrar, literalmente, até a morte.

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