Opinião

Manhas e campanhas

Eugênio Bucci
É pela imprensa que o debate em torno da disputa eleitoral de 2010 vai ganhando cores, temperatura e consistência. Nada mais natural - e positivo. A instituição da imprensa é maior que o simples somatório dos órgãos noticiosos. Ela se compõe dos meios impressos, como jornais e revistas, dos eletrônicos (a televisão e o rádio), e também da miríade de possibilidades informativas da era digital (os sites, os blogs e os incontáveis debates online nas redes interconectadas), e, como instituição que é, tem a sua liberdade e o seu vigor assegurados pelas leis democráticas e, acima disso, pela prática social da argumentação aberta sobre os temas de interesse público. É nesse sentido que ela se mostra capaz de forçar a transparência dos governos - que se veem instados a prestar contas à sociedade - e de vigiar o poder. Se o País se pergunta sobre o que acontecerá na sucessão de 2010, nada mais lógico que a imprensa reflita e impulsione a discussão.


Agora, a pauta do dia são as campanhas antecipadas, por meio das quais os governantes procuram transformar atos de governo em palanques para promover seus candidatos - não raro, eles próprios. A distorção deve ser apurada e noticiada para que os cidadãos a conheçam e reajam a ela. Quanto a isso, eu mesmo, neste espaço, em artigo publicado no dia 12 de fevereiro de 2009, critiquei a reação agressiva do presidente da República contra os jornais que deram destaque ao caráter eleitoral de alguns momentos do encontro de prefeitos realizado em Brasília naquele mês. Argumentei, então, que é papel dos jornalistas questionar o poder e que não cabe ao poder questionar os jornalistas que apenas cumprem sua função precípua.

Na semana passada o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também criticou o encontro dos prefeitos, conforme este diário noticiou na primeira página de sua edição de sábado. FHC cobrou que o Tribunal Superior Eleitoral puna, antes de 2010, o que considera um desvio: a campanha em prol de Dilma Rousseff durante o evento. "Tem de coibir durante o processo, como agora, em que já há reclamações de eleições que vão ser daqui a um ano e meio, de que estão usando o poder público", disse ele. "Acho que tem de coibir os abusos em marcha já para evitar que haja anulação de votação.

"Por certo, é direito do ex-presidente, como líder partidário, levantar-se contra o que julga favorecer os seus adversários. Pelo menos dois pontos, porém, devem ser esclarecidos - e, infelizmente, eles não vêm sendo debatidos com a mesma ênfase.

O primeiro ponto é que, durante o governo FHC, verificou-se um enorme empenho, bem-sucedido, por parte do poder, para mudar a Constituição e aprovar a emenda que permitiu a reeleição, beneficiando diretamente ninguém menos que aquele que já estava na Presidência da República. A regra do jogo foi alterada durante a partida. Se hoje estamos às voltas com a polêmica - necessária e saudável - em torno do uso da máquina governamental para projetar candidaturas, o desvio atual não se compara, em dimensões e em gravidade, ao que se deu no Congresso Nacional entre 1994 e 1998, sob o patrocínio, às vezes velado, às vezes, não, do primeiro governo PSDB-PFL.

Aquele governo não fez apenas campanha: ele primeiro mudou as regras do jogo em benefício próprio e depois fez campanha abertamente.
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