Croniqueta
Em família
Sidney Borges
Lá pelos idos de 1964, época da quarta série ginasial, minha avó resolveu que eu precisava de uma noiva. Vovó era assim, resolvia as coisas à moda dela. Eu queria, na verdade, uma namorada burocrática.
Meus amigos tinham namoradas com horário de entrada e saída, eu só ficava. Acho que nasci em época errada. No inverno de 64 eu assistia às transmissões da Olimpíada de Tóquio pela Record e tinha uma horta de apartamento na garagem. Legumes plantados em caixas. Eu os adubava e regava com o maior cuidado.
Naquela tarde de domingo, fatídica, cheguei da Portuguesa cansado dos rachas e da piscina. Em casa pessoas desconhecidas conversavam animadamente na sala, um casal e uma menina. Bonita.
Fui apresentado e logo desconfiei que havia algo no ar além da Panair.
Depois de alguns instantes os adultos foram saindo e ficamos sós. Ela era interessante, mas deu azar, na televisão apareceu João Gilberto. Antes que eu me levantasse para aumentar o volume ela pediu para mudar de canal.
- Detesto esse cantor, não tem voz.
Nesse momento qualquer possibilidade de romance entre nós desapareceu. Que falta de sensibilidade!
A conversa seguiu sem sal, quando eu tentava dizer alguma coisa lá vinha o bordão:
- Isso é psicológico.
Imaginei que talvez ela se interessasse por agricultura. Sem medir palavras perguntei:
- Quer ver o meu legume?
Eu me referia ao belíssimo xuxu que colhera na manhã anterior, mas como é sabido, quando um mal entendido começa não tem fim.
Levei um tapa na cara. Julieta e os pais saíram de casa me chamando de tarado.
Vovó deu o toque final:
- Você é apressado, não podia esperar um pouco?
Sidney Borges
Lá pelos idos de 1964, época da quarta série ginasial, minha avó resolveu que eu precisava de uma noiva. Vovó era assim, resolvia as coisas à moda dela. Eu queria, na verdade, uma namorada burocrática.
Meus amigos tinham namoradas com horário de entrada e saída, eu só ficava. Acho que nasci em época errada. No inverno de 64 eu assistia às transmissões da Olimpíada de Tóquio pela Record e tinha uma horta de apartamento na garagem. Legumes plantados em caixas. Eu os adubava e regava com o maior cuidado.
Naquela tarde de domingo, fatídica, cheguei da Portuguesa cansado dos rachas e da piscina. Em casa pessoas desconhecidas conversavam animadamente na sala, um casal e uma menina. Bonita.
Fui apresentado e logo desconfiei que havia algo no ar além da Panair.
Depois de alguns instantes os adultos foram saindo e ficamos sós. Ela era interessante, mas deu azar, na televisão apareceu João Gilberto. Antes que eu me levantasse para aumentar o volume ela pediu para mudar de canal.
- Detesto esse cantor, não tem voz.
Nesse momento qualquer possibilidade de romance entre nós desapareceu. Que falta de sensibilidade!
A conversa seguiu sem sal, quando eu tentava dizer alguma coisa lá vinha o bordão:
- Isso é psicológico.
Imaginei que talvez ela se interessasse por agricultura. Sem medir palavras perguntei:
- Quer ver o meu legume?
Eu me referia ao belíssimo xuxu que colhera na manhã anterior, mas como é sabido, quando um mal entendido começa não tem fim.
Levei um tapa na cara. Julieta e os pais saíram de casa me chamando de tarado.
Vovó deu o toque final:
- Você é apressado, não podia esperar um pouco?
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