Coluna de Domingo

Saúde ou educação

Rui Grilo
Em várias escolas onde trabalhei, o grupo de professores mais consciente sempre teve que assumir a discussão e o enfrentamento contra atitudes que, de certa forma, desqualificavam os conteúdos relacionados à saúde, à ética e aos direitos humanos.

Cada vez mais, profissionais de saúde e os meios de comunicação de massa tem divulgado as conseqüências desastrosas que trazem para a saúde o uso de refrigerantes, salgadinhos, doces e frituras. Qual é o efeito sobre crianças e adolescentes, quando após uma aula sobre noções de alimentação saudável, ela sai para o recreio e só encontra esse tipo de alimento na cantina da escola? Que valores essa escola estará ensinando?

A venda de balas e chicletes nas escolas, além dos problemas que traz para a saúde, traz também um problema a mais: a questão da higiene e limpeza, pois grande parte das escolas não conta com quadro adequado de funcionários necessário para essa tarefa. A maior parte do lixo das salas de aula é composta de papéis de bala, embalagens de doces e salgadinhos, tornando as salas verdadeiros chiqueiros, apesar da insistência dos professores sobre os padrões de higiene. Os chicletes, colocados em todos os lugares da escola, são de difícil remoção. Também são usados como bolinhas para atirar nos colegas, para colar nas roupas, cabelos e nos materiais. Isso gera brigas e provocações, dificultando o bom andamento das aulas.

Apesar de todos esses problemas, o pretexto para a instalação de cantinas era a renda do aluguel que servia para tapar o buraco da falta de recursos necessários para a escola funcionar.

Outro problema sério é o uso de crianças em concursos como “miss caipirinha” porque além da criança ser transformada em objeto de venda, acirra a concorrência e não a solidariedade porque apenas uma é vencedora. Quantas vezes vimos pais comprando votos, tentando saber quem estava na frente para cobrir a diferença e ultrapassar para a sua filha ser a miss.

Não conheço pessoalmente as escolas americanas mas, de acordo com os fatos relatados pela pesquisadora Susan Linn em seu livro “ Crianças do Consumo – A Infância Roubada”, a situação é pior ainda. Segundo um relatório de 2001 do Departamento de Agricultura Americana ao Congresso:

“Quando as crianças aprendem nas salas de aula a respeito de boa nutrição e o valor das escolhas alimentares saudáveis ao mesmo tempo em que estão rodeadas por máquinas de venda, lanchonetes e ofertas à la carte de opções com baixos nutrientes, elas recebem a mensagem de que a boa é meramente uma atividade acadêmica que não é apoiada pela administração escolar e, portanto, não é importante para a sua saúde ou para a sua educação.” (página 118)

As escolas americanas dependem, em grande parte dos recursos da própria comunidade, grande parte das Associações de Pais e Mestres negociam contratos com grandes empresas como a Coca e a Pepsi-Cola para instalação de máquinas para a venda de refrigerantes, doces e outros lanches e a Associação Nacional Dos Diretores das Escolas de Ensino Médio consideraram que a perda de investimentos nas escolas seria mais prejudicial que a perda de saúde das crianças. Uma das conseqüências dessa situação é o aumento alarmante da obesidade infantil e todos os problemas daí decorrentes.

A publicidade nas escolas começou a aumentar nos anos 90 porque a criança não tem como se defender e os jovens são mais susceptíveis de serem influenciados. Além da instalação de máquinas para venda de refrigerantes e lanches, a propaganda está na lataria dos ônibus escolares e até dentro das salas de aula porque um grande número de escolas, sob o pretexto de enriquecimento curricular, assinaram convênio com o Channel One, um noticiário de 12 minutos, com dois de comerciais, que a escola é obrigada a transmitir diariamente em 90% dos dias letivos. Em duzentos dias letivos, os alunos seriam obrigados a assistir a 400 minutos de comerciais, ou seja, o currículo estaria sendo desviado de sua função original para beneficiar grandes empresas. O tempo dos alunos estaria sendo vendido pelas direções das escolas.

Pais, educadores e pesquisadores tem se organizado em associações para denunciar esses abusos e exigir leis que evitem que as escolas se transformem em entrepostos comerciais garantindo a manutenção dos objetivos para os quais elas existem: a formação do cidadão, a elaboração e sistematização do conhecimento.
Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

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